TOCA DO LEÃO

Resistência na Rádio Tabajara

Eu sou um cara da cultura alternativa. O que vem a ser isso? Mais ou menos é o elemento que produz arte num espaço marginal como as rádios comunitárias, os fanzines do tempo do mimeógrafo ou o teatro amador de periferia. Brigo pelo direito à liberdade de expressão, pelo humor e a valorização das coisas simples. Subverter a lógica do mercado, não só nos conceitos estéticos. É assim que eu me vejo e é nessa trincheira que me engajo, nessas utopias onde a gente até sonha que está sendo levado pela torrente das tais forças progressistas, como eternos ingênuos que sempre seremos.

Longa é a arte e breve é a vida, diziam os gregos. Por que estou escrevendo isso? Por nada. É que estou atrasado na atualização da Toca, e resolvi escrever essas coisas, falar do nada e do tudo. “Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo”. Isso é do Guimarães Rosa, um sujeito definitivo na literatura de todos os tempos no Brasil.

Se estou desencantado? Tantinho assim. Cada ano que se passa, a gente vê o deslocamento do foco de nossa luta. Não luto mais contra o poder burguês. Minha briga agora é contra a força da gravidade que vai corroendo as cartilagens do meu joelho. E o pior: com a velhice, vamos nos tornando autoritários, repressores mesmo. Ditar leis e querer que todo mundo seja igual a nós é uma tendência geral, com o passar dos anos. Velhinhos intolerantes manejando suas bengalas por aí, esquecendo que passou a vida toda querendo pleno direito para o ser humano, buscando uma sensibilidade maior nas relações humanas.

Apesar do poder coercitivo do sistema que sempre pretende controlar a galera, a gente ainda acredita em propostas não oficiais de cultura, ocupando espaços onde der, nesse corpo-a-corpo maluco feito minha mania de levar livros para espaços públicos, na esperança de que as pessoas venham a ler. Atos isolados como produzir programas de rádio web com equipamentos toscos e esquemas de divulgação ridículos, quem sabe, para dar alguma chance de pautar temas de e sobre as periferias silenciosas e invisíveis.

É este o propósito do programa “Alô comunidade” que eu faço todo sábado às onze horas com Dalmo Oliveira, Marcos Antonio Nascimento, Bento Filho e Marquinhos Fernandes na Rádio Tabajara AM. O programa está sendo ancorado por Bento e Marquinhos, os únicos com menos de sessenta anos e, portanto, dentro das exigências do protocolo da empresa para enfrentar esses tempos pandêmicos. Pois chegou o dia, a data, a hora, o ano em que tudo deu errado. Sempre chega. Na onda da pandemia, acabei me mudando para Bananeiras. Estou deixando esses mares, já estudando os mapas para novas aventuras, sem frustração, sem indignação. Adianta se revoltar contra um agente infeccioso? Vou então centrar o astrolábio em novas coordenadas. É só o tempo de ajustar as velas e tocar o barco de novo.

O programa tem sequencia com novas figuras, sempre na perspectiva de luta pelo direito à comunicação do povo, em aliança com os movimentos populares de resistência, como as rádios comunitárias. Jovens estudantes fazendo rádio popular, aprendendo a colher gerânios em jardins improváveis, nesse pantanal cheio de jacarés de sonhos minúsculos. E sem vacina.

* * *

Meu livro “Retrato molhado” ta uma gracinha e vai sair, para o bem de todos e felicidade geral da nação dos improváveis. Está sendo produzido na forma de cooperativa: cada leitor compra seu exemplar antecipadamente e ganha seu nome na folha de rosto do livro. Eu confesso que usei e abusei da boa vontade de meus amigos e amigas, pedindo a colaboração, mas vou retribuir a atenção, convidado a todos para tomar vinho comigo no lançamento, que será em outubro vindouro. Se rolar vacina.

 

 

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Fábio Mozart

Fábio Mozart transita por várias artes. No jornalismo, fundou em 1970 o “Jornal Alvorada” em Itabaiana, com o slogan: “Aqui vendem-se espaço, não ideias”. Depois de prisões e processos por contestar o status quo vigente no regime de exceção, ainda fundou os jornais “Folha de Sapé”, “O Monitor Maçônico” e “Tribuna do Vale”, este último que circulou em 12 cidades do Vale do Paraíba. Autor teatral, militante do movimento de rádios livres e comunitária, poeta e cronista. Atualmente assina coluna no jornal “A União” e ancora de programa semanal na Rádio Tabajara da Paraíba.

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