GERAL

Verissimilhança

jesus-cristoCerto texto de Luiz Fernando Veríssimo remete às dúvidas de uma criança para com seus familiares. O tema central abordado pelo escritor gaúcho é a Páscoa, e a (desorientação na) curiosidade pueril desperta uma série de indagações:

“- Papai, qual era o sobrenome de Jesus?

– Cristo. Jesus Cristo.

– Só?

– Que eu saiba sim, por quê?

– Não sei não, mas tenho um palpite de que o nome dele era Jesus Cristo Coelho. Só assim esse negócio de coelho da Páscoa faz sentido, não acha?”

Esse e o tipo de pergunta que o garoto Eduardo jamais fará. Morreu aos dez anos, em plena semana santa, ironicamente de sobrenome De Jesus. Vítima de hordas fardadas que sistematicamente atuam perdendo balas, enquanto acham que aplicam uma perversa versão de segurança.

Isso nem de longe é segurança. Sem ao menos pestanejar, mais um boletim dos órgãos (in)competentes destaca a fatalidade da ação na linguagem padrão da nota pública. E segue a emissão de notas e posições sobre o assunto, carregados de chavões e frases de efeito, que não irão trazer nem Eduardo de Jesus, nem Amarildo, nem as outras três pessoas mortas no complexo do Alemão durante o santo feriadão.

As forças de segurança são fracas de sensibilidade: as carapuças de coletes, máscaras, miras, coldres e cintos não sentem a gota da chuva de um dia nublado. O peso das fardas, camufladas ou não, impede a absorção das gotas de lágrimas de quem é achado pela bala perdida.

E você aí, lendo essas linhas enquanto sua consciência relembra o exagero de chocolate que comeu no fim de semana, esperando Jesus voltar. Triste equívoco, esperança vã. Amarildo, Eduardo de Jesus, Jesus Cristo Coelho: eles não vão voltar.

Sinto informar. Sejam romanos ou cariocas, os soldados voltarão. Estão à espreita, esperando mais uma oportunidade para perder algumas balas pelos becos e ganhar elogios bolsonarianos.

Estamos tão perdidos quanto as balas nas ruelas do Alemão. Tão desnorteados quanto o garoto na crônica pascoal de Veríssimo, procurando por respostas mergulhadas em contradições, que não fazem nenhum sentido e não nos levam a lugar nenhum, além dos conhecidos sete palmos abaixo do chão.

Redação DiárioPB

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