TOCA DO LEÃO

Notas sobre o príncipe dos poetas repentistas

Se fosse na Rússia antiga, do tempo do comunismo, o poeta Manoel Xudu poderia ser condenado a trabalhos forçados por “parasitismo social” como aconteceu com Joseph Brodsky, Prêmio Nobel de Literatura. Ainda hoje existe o preconceito contra os poetas repentistas. O falatório rotula os poetas, que são vagabundos, que gostam de beber.

Na velha Itabaiana do Norte, Manoel Xudu armou sua tenda na feira, tocando viola para seus ouvintes fiéis. De repente chega um fiscal com feições pouco amigáveis.

— O senhor tem autorização pra cantar nesta feira? Saiba que todo mundo aqui paga imposto pra trabalhar. Tem licença? Qual sua profissão?

— Sou poeta.

— Sim, eu sei, mas tem um trabalho regular?

— Pensei que ser poeta era um trabalho regular.

— Poeta não é profissão, e além do mais, quem disse que você é poeta?

— Ninguém.

Diante da mesma pergunta de um juiz na Rússia dos bolcheviques, o poeta Joseph Brodsky respondeu:

— Quem me incluiu na lista dos seres humanos?

Xudu se viu livre do fiscal, que saiu resmungando contrariado e não ouviu o verso do poeta:

Com meu canto desencanto de guerreiro

Vou seguindo esse meu rastro de palavra

Vou pregando no deserto, é minha lavra,

Meu trabalho, minha sina e meu terreiro.

Graduado pela vida e licenciado em poesia, Manuel Xudu não tinha carteira assinada nem era contribuinte do instituto de previdência, tanto que morreu na pindaíba. A poesia é assim um troço que obriga você a sair do óbvio. Xudu vivia de seus poemas e olhava o mundo através das nuvens da zinebra que ele bebia e chamava de Endorfina ou Encefalina. Uma espécie de cloroquina da época.

Não conheço pessoalmente o senhor Noé, amigo virtual que mora no Recife. Sei que é uma pessoa muito gentil, além de sensível, admirador de Manoel Xudu Sobrinho, um dos maiores poetas repentistas do planeta. Noé soube pela internet, onde tudo se sabe, que escrevi um livro sobre o poeta de São José dos Ramos. Telefonou pedindo o livro e oferecendo, em troca, alguns CDs preciosos com gravações do poeta cantando com monstros sagrados da cantoria, tipo Geraldo Amâncio, Zé Patriota, Lourival Batista e Sebastião Silva.

Ontem, recebi os CDs de Noé. Um gesto nobre do meu futuro leitor, apologista da poesia popular, algo tão importante em nossa cultura. Para mim, é como receber um tesouro. Desde os tempos remotos, sou apreciador desse cantador de viola, morto precocemente. São raras as gravações do mestre Xudu. Tenho uma fita cassete com uma cantoria “pé de parede” envolvendo Manoel Xudu e Ivanildo Vila Nova, mas falta grana para mandar remasterizar o material em um estúdio. Um dia irei realizar essa tarefa e o primeiro a receber o produto será meu compadre Noé, em consideração. O grande encontro desses dois grandiosos criadores na difícil arte de versejar ao som da viola é realmente um material muito precioso à espera de uma parceria que concretize o produto final, um CD tecnicamente apresentável, digno desses artistas. Por enquanto, é coisa restrita a um só privilegiado, que sou eu.

Ouvir poesia de Xudu pode contribuir poderosamente para reduzir suas neuroses, acredite! Recomendo na quarentena.

 

Redação DiárioPB

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