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Brasil em desacordo com o regime internacional de combate à lavagem de dinheiro

Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2019, em um caso envolvendo o filho do presidente Bolsonaro suspendeu a maioria das investigações de lavagem de dinheiro do país. A decisão ameaça uma das mais importantes ferramentas de investigação contra a corrupção e deixa o Brasil em descompasso com o regime internacional de combate à lavagem de dinheiro.

O Ministro do STF Dias Toffoli, julgando um pedido da defesa do Senador Flávio Bolsonaro, suspendeu temporariamente todas as investigações nas quais dados financeiros e fiscais detalhados tenham sido compartilhados por órgãos de inteligência, como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), sem autorização judicial.

O STF vai retomar o assunto no final de novembro. Segundo Toffoli, sem ordem judicial, o COAF só poderia compartilhar dados genéricos, como o nome do titular da conta e os montantes totais recebidos, mas não detalhes das transações. Isso decorreria das regras de sigilo bancário. Trata-se de medida desproporcional que contraria os padrões internacionais de combate à lavagem de dinheiro, os quais, inclusive, foram responsáveis por parte significativa das investigações realizadas pela Operação Lava Jato.

No Brasil, o COAF assume as funções de uma unidade de inteligência financeira (UIF). Uma unidade de inteligência financeira (UIF) é um órgão nacional central de um país, encarregado de três funções principais: i) coletar (receber e solicitar); ii) analisar; e iii) divulgar informações financeiras relativas a possíveis crimes financeiros, tais como lavagem de dinheiro, delitos conexos, como corrupção e financiamento do terrorismo.

Ao contrário de outros órgãos de investigação, as unidades de inteligência financeira produzem análises de inteligência com base em relatórios de transações suspeitas que lhes são submetidos por instituições financeiras e outras entidades obrigadas. Isso significa que a UIF não tem acesso a toda a informação bancária de um indivíduo, mas apenas a informações relacionadas a transações consideradas suspeitas pelas instituições financeiras, de acordo com os parâmetros estabelecidos pela legislação e pelo Banco Central, por exemplo.

Os relatórios de inteligência que são compartilhados com o Ministério Público descrevem anomalias que podem estar relacionadas à lavagem de dinheiro e crimes relacionados e que, portanto, devem ser investigadas. Esses relatórios estão sujeitos a regras estritas de confidencialidade. Com base nos relatórios de inteligência da UIF, as autoridades competentes deliberam se devem iniciar investigações e se é necessário levantar sigilo bancário ou obter acesso a outros tipos de informações por meio de uma ordem judicial.

Para garantir que as UIFs possam desempenhar suas funções e apoiar a luta contra a lavagem de dinheiro, o Grupo de Ação Financeira (GAFI), órgão intergovernamental responsável pela definição e monitoramento da implementação de normas contra a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo, tem recomendações específicas sobre o tema, inclusive sobre o papel, funções e poderes que tais órgãos devem ter. Muitas dessas recomendações são relevantes para a próxima discussão que o Supremo Tribunal Federal realizará em novembro.

Para cumprir seu mandato, é fundamental que a UIF possa compartilhar informações e os resultados de sua análise com as autoridades competentes, o que inclui promotores de justiça, de maneira rápida, sempre que houver motivos para suspeitar de lavagem de dinheiro, infrações associadas ou financiamento do terrorismo. Da mesma forma, a UIF deve ser capaz de responder aos pedidos de informação das autoridades competentes. Quando a UIF recebe tal solicitação de uma autoridade competente, a decisão de conduzir análises e compartilhar informações com a autoridade solicitante deve permanecer com a UIF.

O GAFI também enfatiza que a UIF deve ser independente e autônoma. Isso inclui autonomia sobre a decisão de analisar, solicitar e divulgar informações específicas. Em todos os casos, isso significa que a UIF tem o direito independente de transmitir ou divulgar informações às autoridades competentes. Dada a rapidez com que os corruptos e outros criminosos são capazes de movimentar ativos, a capacidade das UIFs de compartilhar informações relevantes com as autoridades policiais rapidamente é fundamental.

Ainda de acordo com as recomendações do GAFI, a UIF também deve ser capaz de obter informações adicionais das entidades comunicantes, tais como bancos, e ter acesso rápido a informações financeiras, administrativas e de investigação que necessite para desempenhar suas funções adequadamente. Se uma instituição financeira apresentar um relatório de atividade suspeita, a UIF deve poder fazer mais perguntas sobre essa transação específica — e não sobre qualquer outra — sem a necessidade de uma autorização do judiciário ou de qualquer outro órgão.

De fato, um estudo de 2018 da Iniciativa de Recuperação de Ativos do Banco Mundial (StAR) mostra que, na grande maioria dos países pesquisados para o relatório, as UIFs produzem relatórios de inteligência que vão além das informações iniciais fornecidas nos relatórios submetidos por instituições financeiras. Eles incluem, por exemplo, informações adicionais coletadas com instituições financeiras, fontes abertas e públicas, bem como informações mantidas em bases de dados da polícia, Ministério Público ou outros órgãos.

Embora os padrões internacionais sejam claros quanto ao papel das UIF no combate à lavagem de dinheiro e, consequentemente, à corrupção, eventos recentes no Brasil colocam sua eficácia em risco.

Em junho de 2019, o GAFI divulgou uma declaração expressando suas preocupações sobre os atrasos do Brasil na implementação das recomendações apresentadas no último relatório de avaliação mútua do país, particularmente relacionado ao financiamento do terrorismo. Apesar das recentes mudanças legislativas no país, o GAFI anunciou que continua a ver o atraso como uma questão que poderia afetar o status do país como membro do grupo — algo a ser considerado na reunião plenária de outubro de 2019. Uma decisão que enfraquece a estrutura de combate à lavagem de dinheiro do país poderia enviar uma mensagem negativa sobre o compromisso do Brasil de implementar os padrões do GAFI. Consequentemente, isso também afetaria uma possível adesão do país à OCDE.

Em 2018, o COAF produziu mais de 10.000 relatórios de inteligência financeira e compartilhou informações com as autoridades nacionais mais de 7.000 vezes. Os relatórios de inteligência financeira do COAF têm sido críticos em investigações conduzidas pela Operação Lava Jato e em outros casos de corrupção, mas também em investigações relacionadas ao tráfico de drogas e ao crime organizado. Limitar a capacidade do COAF de analisar, produzir e compartilhar relatórios de qualidade de maneira oportuna certamente prejudicará a capacidade das autoridades brasileiras de investigar e punir a corrupção e outros crimes no país.

Finalmente, uma decisão das autoridades brasileiras de restringir a autonomia do COAF para produzir relatórios de inteligência financeira e para decidir quando os mesmos devem ser compartilhados com as autoridades legais vai contra os padrões internacionais de combate à lavagem de dinheiro e pode ter graves consequências para o país.

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Redação DiárioPB

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