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Antes de se despedir, Bolt encontrou um rival à altura: o limite do seu corpo

Poder olhar para o lado durante os menos de 10 segundos que dura uma final de 100m rasos em Mundial é luxo. Não há o fator ritmo, como em uma prova de fundo, nem uma grande influência do desempenho dos rivais. É quase que uma tomada de tempo, mas com todo mundo lado a lado. E foi emparelhado com Justin Gatlin e Christian Coleman que Usain Bolt perdeu para si mesmo no sábado à noite, no Estádio Olímpico de Londres.

Não que Gatlin e Coleman, ambos norte-americanos e revelados pela Universidade do Tennessee (com 14 anos de diferença), não tenham merecido as medalhas de ouro e prata que ganharam na prova mais esperada deste Mundial. Mas Bolt, se tivesse feito o que está acostumado, ganharia dos dois dando sorrisinho descontraído nos metros finais.

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Imagem: Matt Dunham/AP

O cronômetro não mente. Desde 2003 uma final de grande competição (Mundial ou Olimpíada) não era tão lenta. Ou seja: durante toda a carreira de Gatlin e Bolt, foi necessário fazer mais para chegar ao ouro. O próprio Gatlin ganhou seu primeiro título mundial em 2005 com 9s88. Em 2015, ele foi ainda mais rápido, correndo em 9s80, mas acabou derrotado por Bolt, que chegou um centésimo à frente.

Com o ex-recordista mundial Asafa Powell e o canadense Andre de Grasse machucados, nenhum novo bom nome jamaicano surgindo e Gatlin vivendo sua temporada mais lenta desde 2012, o nível do Mundial foi baixíssimo nos 100m. E nem assim Bolt conseguiu a vitória.

Cada vez mais lento desde 2012, quando correu os 100m em 9s63 para ganhar o ouro olímpico em Londres, Bolt enfim chegou ao ponto em que o que ele consegue entregar na pista não é mais o suficiente. Todos os melhores atletas do mundo passam por isso, exceto aqueles que se aposentam no auge. O jamaicano deu-se de presente mais uma temporada, para voltar ao palco do seu bicampeonato olímpico, e acabou cruzando essa fronteira. Não foi o primeiro ídolo a cair nessa armadilha, vide Michael Jordan nos Wizards e as duas derrotas finais de Muhammad Ali.

Depois de quase ficar fora da Rio-2016, após sentir lesão muscular na seletiva jamaicana, Bolt conseguiu o ouro olímpico ainda com alguma margem – 0s08 sobre Gatlin, que ganhou a prata. Mas correr em altíssimo nível por 10 temporadas consecutivas, administrando dores nas costas, uma hora cobra seu preço, ainda mais de quem não tem exatamente uma vida regrada e que, por ser de longe o melhor do mundo, uma hora ou outra acaba relaxando.

O corpo cobrou a conta e Bolt foi lento em toda sua última temporada – pelo menos para os seus padrões. Só correu uma vez abaixo de 10 segundos, em Mônaco, e ganhou duas provas, na República Tcheca e Jamaica, sem impressionar. Sem correr os 200m, deixou a sensação de que já estava vivendo uma “meia-aposentadoria”. Ainda pesou a morte de seu melhor amigo, em um acidente de moto, que atingiu o astro durante sua preparação.

Mas Bolt é Bolt e, desde sempre, deixou o melhor para o fim, para a prova mais importante da temporada. Em Londres de certa forma foi assim, com ele repetindo o 9s95 de Mônaco. A careta nos metros finais deixou claro o tamanho do esforço para fazer algo que ele sempre fez com os pés nas costas. Tivesse tido uma reação melhor ao tiro de largada, e não tivesse sido 0s05 mais lento que Gatlin só aí, teria ganho a prova.

Mas essa é uma suposição que nada mais tem a ver com a realidade de Bolt, que já havia sido o último a reagir à largada na semifinal. O jamaicano nunca foi exatamente um craque em largadas, mas compensava a diferença na corrida. Agora, parecem lhe faltar pernas.

O bronze na última prova individual da carreira não apaga nada na carreira de Bolt, o maior de todos os tempos no atletismo. Pelo contrário. Só nos faz lembrar de que todo grande atleta tem seu fim. E o de Bolt, de fato, está muito perto de chegar.

UOL

Redação DiárioPB

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