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A morte dos rios – Garimpo ilegal destrói mais de 600 quilômetros de corpos d’água nos territórios Munduruku e Sai Cinza, no Pará

Além do prejuízo ambiental e de impedir o uso dessas águas para necessidades vitais do povo, como a pesca, a contaminação desses rios causa também um enorme prejuízo cultural.

National Geographic – FOTO DE GUSTAVO BASSO

Monitoramento inédito realizado  pelo Greenpeace Brasil mostrou que, desde 2016, o garimpo ilegal já destruiu pelo menos 632 quilômetros de rios dentro das Terras Indígenas Munduruku e Sai Cinza, no sudoeste do Pará.

Este nível de destruição é equivalente àquele que a Vale infringiu ao Rio Doce na tragédia de Mariana – que impactou diretamente 663 quilômetros de rios – e é como se mais da metade do rio Tietê, que tem 1.136 quilômetros, tivesse sido irremediavelmente devastado.

Até 2016, havia apenas 26,6 quilômetros de rios impactados nessas terras indígenas – ou seja, nos últimos cinco anos, houve um aumento de 2.278% na extensão de rios destruídos dentro dos territórios Munduruku e Sai Cinza.

O monitoramento feito pelo Greenpeace encontrou também 16 pistas de voo abertas dentro da TI – e pelo menos 12 delas estão ligadas à atividade garimpeiraO estudo foi complementado por um sobrevoo realizado em outubro de 2021, que identificou garimpos ativos e diversos equipamentos utilizados nesta prática ilegal, como motores, escavadeiras, acampamentos, caixas-calha, bicos de jato, além de veículos como picapes. O sobrevoo não percorreu toda a extensão da terras indígenas.

Chega de tanta destruição! Em sobrevoo realizado em outubro deste ano, o Greenpeace Brasil flagrou cenas de destruição causadas pelo garimpo ilegal dentro das Terras Indígenas Munduruku e Sai Cinza (PA).

Além do prejuízo ambiental e de impedir o uso dessas águas para necessidades vitais do povo, como  a pesca, a contaminação desses rios causa também um enorme prejuízo cultural aos Munduruku, prejudicando seus laços culturais com o ambiente e negando seu direito de ser e existir. O garimpo também suprime Áreas de Preservação Permanente (APPs), desmata florestas contíguas e provoca a abertura de estradas e ramais, gerando ainda mais desmatamento.

Outro dado importante verificado neste levantamento é o quanto o discurso do governo Bolsonaro e o desmonte da legislação socioambiental impactaram a expansão da atividade garimpeira.

Entre 2018, com “Bolsonaro candidato”, e 2019, com “Bolsonaro presidente”, a quantidade de quilômetros de rios destruídos no território Munduruku explodiusaindo de 88,5 km para 178 km – um aumento de 101, 12%. Em 2020, ano em que Bolsonaro enviou para o Congresso o Projeto de Lei 191/2020, que propôs a abertura de Terras Indígenas para exploração mineral e energética, é possível observar uma nova explosão da atividade na área, conforme mostra a tabela abaixo.

Quilômetros de rios destruídos pelo garimpo na Terra Indígena Munduruku e Sai Cinza © Greenpeace Brasil

Prejuízos

O monitoramento foi feito a partir de imagens de satélite e teve dados confirmados em um sobrevoo realizado na região. O levantamento mostrou que o rio Marupá, o rio das Tropas, o rio Cabitutu, o igarapé Mutum, o rio Marupá e o igarapé Joari (conhecido localmente como Joarizal) são os corpos d’água mais prejudicados pela atividade garimpeira.

Os dados mostraram também que o lado leste da Terra Indígena já está repleto de garimpos; e o lado oeste ainda mantém algum grau de integridade por conta de uma série de morros que dividem aquela área e dificultam o deslocamento e a dispersão dos garimpeiros por ali. Ainda assim, a sanha garimpeira é implacável e ameaça de maneira muito grave o território Munduruku.

O levantamento feito pelo Greenpeace foi formalizado como uma denúncia no Ministério Público Federal (MPF), exigindo que as autoridades tomem providências contra esse crime – a exploração garimpeira dentro de Terras Indígenas é proibida segundo o artigo 231 da Constituição Federal.

Área afetada pelo garimpo da TI Munduruku e Sai Cinza (em hectares) © Greenpeace Brasil

De onde vem o ouro?

A expansão da exploração de ouro no Brasil vem avançando para o interior da Amazônia de forma contínua. A abertura de novas áreas para a realização da atividade dentro desse bioma tem se concentrado dentro de Áreas Protegidas: dos 11.111 hectares abertos na Amazônia para mineração entre janeiro e setembro de 2021, 73% incidiram dentro de áreas protegidas, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

A bacia do Rio Tapajós, na Amazônia, é hoje o epicentro do ouro ilegal no Brasil, que alimenta com crimes ambientais e a violação de direitos humanos uma cadeia econômica que opera sem qualquer tipo de controle. O município de Itaituba (PA) escoa boa parte da exploração, que é feita de forma criminosa. De acordo com a Secretaria Especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, a cidade exportou 186 quilos de ouro em 2019. Esse número saltou para 1.782 quilos em 2020. Em 2021, entre janeiro e setembro, já foram exportados 1.747 quilos.

Um estudo recente feito pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) apontou que mais de um quarto da produção de ouro no Brasil é irregular. Segundo o coordenador do estudo, Raoni Rajão, 90% da produção aurífera ilegal do Brasil provem de lavras garimpeiras na Amazônia. O ouro ilegal explorado entre 2019 e 2020 no Brasil causou um prejuízo socioambiental de cerca de R$ 31,4 bilhões.

 

Crime e perversidade

Assessor jurídico da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Tito Menezes, do povo Sateré-Mawé, afirmou: “É preciso denunciar qualquer tipo de ameaça aos territórios indígenas, mas principalmente o garimpo ilegal, que traz junto outras atividades criminosas e muita perversidade”. Tito disse ainda que os governos municipais, estaduais e federal precisam dar suporte efetivo às organizações indígenas na luta contra o garimpo ilegal.

Segundo a porta-voz da Campanha Amazônia do Greenpeace Brasil Carolina Marçal, matar os rios dentro do território Munduruku significa prejudicar de maneira grave o modo de vida e a cultura daquele povo. “Os rios são fonte de vida para os povos originários. Além disso, o garimpo prejudica todo o leito do rio, causando impacto para todo o ecossistema que o circunda. Com estes prejuízos, o cultural e o biológico, os Munduruku têm sido seriamente prejudicados. O garimpo é também um problema de saúde pública para toda a população amazônida, que encontra nos peixes a principal fonte de proteína de sua dieta”, disse Carolina.

A contaminação por mercúrio pode causar sérios problemas neurológicos, além de outras enfermidades. Estudo realizado pelo neurologista Erik Jennings mostrou que 99% dos 109 Munduruku do Alto Tapajós examinados têm níveis de mercúrio no sangue acima do considerado seguro pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

 

Luta pela vida

A Terra Indígena Munduruku está localizada na margem direita do rio Tapajós e ocupa uma área de mais de 2,3 milhões de hectares. É habitada por comunidades Munduruku, Apiaká e por indígenas em isolamento voluntário. Atualmente, a população Munduruku conta com cerca de 14 mil pessoas em 145 aldeias, que se espalham ainda pelas Terras Indígenas Sai Cinza, Kayabi, Sawre Muybu e Sawre Ba’pin, assim como pelas reservas indígenas Praia do Índio e Praia do Mangue.

Há registros de garimpos ilegais na Terra Indígena Munduruku desde 1987 – e as lideranças indígenas desde lá fazem denúncias e cobram providências das autoridades. Existem mais de 28 cartas públicas ou documentos oficiais dos Munduruku com este teor. Desde 2010 são registradas denúncias no Ministério Público Federal (MPF), mas a primeira operação de fiscalização nas Terras Indígenas Munduruku e Sai Cinza ocorreu apenas em 2018.

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Garimpo de ouro na região do Alto Tapajós, na Amazônia paraense. O ouro é extraído nos ‘baixões’ – áreas de várzea próximas a igarapés, onde o minério lavado pelas chuvas se acumula. O desmatamento e a contaminação e assoreamento dos igarapés são alguns dos impactos da exploração.

Fonte: Greenpeace Jorge Eduardo Dantas

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Redação DiárioPB

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