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Itamaraty não fará nada sobre deportação de crianças brasileiras dos EUA para Haiti, diz professor

A Sputnik Brasil conversou com Thiago Rodrigues, professor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF), sobre a grave crise de migração que levou milhares de haitianos à cidade texana de Del Rio

18/09/2021 REUTERS/Adrees Latif

Sputnik – O deputado federal Gurgel (PSL-RJ) solicitou na terça-feira (28) a repatriação de ao menos 30 crianças brasileiras deportadas dos EUA para o Haiti na última semana. O pedido foi realizado ao Itamaraty e ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, reporta a revista Veja.

Na terça-feira (28), a Organização Internacional para as Migrações (OIM), braço da Organização das Nações Unidas (ONU) dedicada ao monitoramento do fluxo migratório ao redor do mundo, confirmou que o governo do presidente norte-americano Joe Biden deportou para o Haiti ao menos 212 crianças, entre elas 30 crianças brasileiras filhas de pais haitianos.

​A Sputnik Brasil conversou com Thiago Rodrigues, professor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF), sobre a grave crise de migração que levou cerca de 15 mil haitianos à cidade texana de Del Rio, na fronteira com o México, nos últimos dias.

Crise migratória não é nova

Entre janeiro e agosto deste ano, o México registrou a chegada de 147 mil imigrantes sem documentos, o triplo de 2020, enquanto as autoridades norte-americanas detiveram cerca de 212 mil migrantes somente em julho, a primeira vez que a barreira de 200 mil foi ultrapassada em 21 anos.

Thiago Rodrigues explica, todavia, que o que está ocorrendo é a intensificação de uma crise migratória que se desenrola há décadas e não uma crise nova.

“A crise atual migratória não é atual, é de longa duração e tem aspectos que se repetem ao longo dos anos. A grande atração de migrantes da América Latina e do Caribe para os EUA, que é histórica, foi agravada nas últimas três décadas na medida em que a economia da região tem piorado. As condições de vida, especialmente na América Central e Caribe, têm sido muito abaladas […] e têm gerado uma leva cada vez maior [de migrantes].”

O especialista recorda as grandes caravanas de milhares de migrantes, que saía principalmente da Guatemala, mas reuniam pessoas de Honduras, El Salvador, Nicarágua e outros países da América Central, e atravessava o México a caminho dos EUA, começaram a se tornar comum nos últimos cinco anos.A intensificação dessas caravanas coincidiu com a chegada do republicano Donald Trump à Presidência dos EUA, que, de acordo com o professor da UFF, adotou “um tratamento absolutamente repressivo, com muitas violações dos direitos humanos”, como internação compulsória de migrantes em campos de detenção, separação de famílias, incluindo crianças de suas mães e repatriação forçada dessas pessoas.

Thiago Rodrigues comenta, todavia, que, apesar da truculência da administração Trump, a política migratória dos EUA tem sido repressiva e intolerante há muito tempo, incluindo o governo do democrata Barack Obama.

“Agora o governo Biden, que gerou grande expectativa de alterar essa dinâmica, tem se mostrado bastante rígido e intolerante também, ainda que menos truculento e repressivo do que no governo Trump. Por exemplo, não há campos de prisioneiros.”

Ainda assim, semana passada, correram o mundo as imagens de guardas de fronteira ameaçando avançar com cavalos sobre migrantes haitianos perto a um acampamento improvisado em Del Rio, no estado do Texas.

EUA: Ontem [20 de setembro], no Texas, policiais a cavalo chicotearam refugiados haitianos que tentavam atravessar um riacho.

“Isso remete diretamente às imagens de captura de escravos durante a escravidão tanto nos EUA como em todos os países da América, porque todos os países dos EUA para baixo tiveram escravidão negra. E isso [ocorre] durante o governo Biden, que supostamente é mais tolerante e mais compreensível com a dinâmica migratória”, pontua o professor.

Crianças brasileiras deportadas

De acordo com o chefe da missão da OIM em Porto Príncipe, Giuseppe Loprete, mais de 210 das cerca de 4,3 mil pessoas deportadas pelos EUA entre os dias 19 e 27 de setembro são crianças filhas de pais haitianos, mas nascidas em outros países. Entre elas há 30 crianças brasileiras. Os números podem aumentar nos próximos dias, já que as deportações continuam.

O especialista recorda que por mais ou menos uma década o Brasil atraiu muitos migrantes, como peruanos, bolivianos, paraguaios, venezuelanos e, claro, haitianos.

“Essas crianças fazem parte de famílias que passam por situação complicada há muito tempo. Por que chamam de crianças brasileiras de origem haitianas? Porque os pais dessas crianças são haitianos que vieram para o Brasil como migrantes, escapando procurando melhores condições […] e geraram seus filhos aqui”, diz. Os menores nasceram em território do Brasil e, como prevê a Constituição de 1988, são cidadãos brasileiros.

Muitos haitianos vieram para o Brasil aproveitando alguma facilidade que existiu em decorrência da presença brasileira no Haiti quando o Brasil ficou responsável pela liderança da missão de paz da ONU em Porto Príncipe, iniciada em 2004.

Até o momento o Itamaraty não se pronunciou sobre a deportação das crianças brasileiras para o Haiti, o que o professor considera um erro.

“O Brasil poderia se manifestar porque são pequenos cidadãos brasileiros que foram deportados nessas condições dos EUA para Haiti. Não foram sequer enviados de volta para o Brasil […]. Agora, eu acredito que a chancelaria brasileira não fará nada. Não fara nada por causa das relações do atual governo [brasileiro] com os EUA. Em condições normais, a chancelaria de um país é praticamente obrigada a se manifestar, a pedir satisfações pelo menos”, argumenta.

A imposição de partir

O governo do Panamá anunciou nesta quarta-feira (29) que pelo menos 65 mil pessoas podem estar cruzando o país com a intenção de migrar para os EUA, informou o jornal La Opinión.

Na segunda semana de setembro, de acordo com estimativas oficiais, cerca de 14 mil pessoas estavam acampadas sob a ponte internacional que liga os EUA ao México. A maioria delas é haitiana. O número de haitianos localizados por agentes norte-americanos na fronteira neste ano, quase 30 mil, já é 6,5 vezes maior do que o total de 2020.

​Thiago Rodrigues ressalta que mesmo com as condições desumanas de trânsito, o perigo constante de morrer no deserto, afogado em um rio ou alvejado, as pessoas seguem realizando essa Via Crúcis porque ficar no país de origem deixou de ser uma opção. São os migrantes forçados.

“Elas se sentem compelidas […] [A ideia do migrante forçado] se confunde um pouco com a ideia de refugiado. Refugiado é uma pessoa que sai do seu país não por escolha, mas por necessidade fundamental de sobrevivência. Ou seja, se ficar vai ser morto, seja por uma etnia rival, um grupo político ou pelo próprio Estado. Ou por uma situação caótica, climática ou econômica, e tem que se deslocar e não pode voltar porque voltar pode significar a sua morte.”

A ONU estima que quase quatro milhões de haitianos, de cerca de 11,5 milhões, sofrem de insegurança alimentar. Um quinto da população do país, cerca de dois milhões de pessoas, migraram do país.

Redação DiárioPB

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