Após pressão do Supremo, PGR pede inquérito para apurar prevaricação de Bolsonaro no caso Covaxin
Após pressão da ministra Rosa Weber, a PGR (Procuradoria-Geral da República) pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal) a abertura de inquérito para apurar o suposto crime do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) por prevaricação no caso da compra das vacinas Covaxin.
© Fornecido por Folha de S.Paulo **ARQUIVO** BRASÍLIA, DF, 25.11.2019 – O presidente Jair Bolsonaro durante solenidade do Dia do Enfrentamento à Violência contra a Mulher, no Palácio do Planalto, em Brasília (DF). (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress).
A suspeita sobre a compra de vacinas veio à tona em torno da compra da vacina indiana Covaxin, quando o jornal Folha de S.Paulo revelou no último dia 18 o teor do depoimento sigiloso do servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda ao Ministério Público Federal, que relatou pressão “atípica” para liberar a importação da Covaxin.
Com a abertura do inquérito, caso venha a ser autorizado pelo Supremo, Bolsonaro passa a ser investigado oficialmente perante a corte pelo caso da Covaxin. Geralmente, nesse tipo de procedimento, a Polícia Federal e a PGR têm de pedir autorização do STF para realizar medidas investigativas.
Quando é caso de denúncia, a Câmara precisa autorizar, com o voto de dois terços dos deputados, o STF a julgar a acusação.
Se a Casa der o aval, o Supremo precisa definir se aceita a denúncia e torna o investigado réu. Caso siga essa linha, é aberta uma ação penal que, ao final, pode resultar ou não em condenação.
Procurada, a Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social) do governo afirmou que “não se manifesta sobre a atuação de outros Poderes ou órgãos externos ao Executivo”.
Inicialmente, a Procuradoria havia pedido para aguardar o fim da CPI da Covid para se manifestar sobre a necessidade ou não de investigar a atuação do chefe do Executivo neste caso. Rosa Weber, que é relatora do caso, porém, rejeitou a solicitação e mandou a PGR se manifestar novamente sobre o caso.
Em uma decisão com duras críticas à PGR, a magistrada afirmou que a Constituição não prevê que o Ministério Público deve esperar os trabalhos de comissão parlamentar de inquérito para apurar eventuais delitos.
Não há no texto constitucional ou na legislação de regência qualquer disposição prevendo a suspensão temporária de procedimentos investigatórios correlatos ao objeto da CPI, disse.
Segundo a ministra, “no desenho das atribuições do Ministério Público, não se vislumbra o papel de espectador das ações dos Poderes da República”.
A PGR, então, recuou e pediu nesta sexta-feira (2) a abertura de inquérito contra Bolsonaro.
A Procuradoria solicitou a Rosa Weber que seja autorizada a buscar informações junto à Controladoria-Geral da União, ao Tribunal de Contas da União, à Procuradoria da República no Distrito Federal e à CPI da Covid sobre as negociações relativas à Covaxin.
A PGR também pediu o aval para a PF produzir provas, inclusive através de testemunhas para identificar se houve de fato prevaricação do chefe do Executivo.
A PGR também requer que a PF seja autorizada a colher o depoimento do chefe do Executivo e dos autores da denúncia de irregularidades, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e seu irmão, Luís Ricardo Miranda.
A manifestação é assinada pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques.
Jacques afirmou que é necessário esclarecer se Bolsonaro se omitiu sobre as denúncias de irregularidades que chegaram até ele e se o presidente agiu de maneira intencional com o intuito de satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
A despeito da dúvida acerca da titularidade do dever descrito pelo tipo penal do crime de prevaricação e da ausência de indícios que possam preencher o respectivo elemento subjetivo específico, isto é, a satisfação de interesses ou sentimentos próprios dos apontados autores do fato, cumpre que se esclareça o que foi feito após o referido encontro em termos de adoção de providências, disse Jacques.
A Procuradoria pediu que seja estabelecido um prazo de 90 dias para adotar as providências a fim de conclui se houve ou não prevaricação de Bolsonaro. Agora, Rosa deve decidir se atende ao pedido e determina a instauração do inquérito ou não.
Além deste caso, a Procuradoria da República no Distrito Federal também investiga as supostas irregularidades na negociações .
Bolsonaro já é alvo de outro inquérito em curso no Supremo, que apura a veracidade das acusações do ex-ministro Sergio Moro de que o presidente tentou violar a autonomia da Polícia Federal.
A investigação, porém, está travada desde setembro do ano passado devido a um impasse em relação ao depoimento a ser prestado pelo chefe do Executivo. O presidente pediu ao STF para que possa prestar o depoimento por escrito, mas o plenário da corte ainda não definiu se ele tem essa prerrogativa ou se deve depor presencialmente.
Desde que o jornal Folha de S.Paulo revelou o teor do depoimento do servidor Luis Ricardo Miranda, o caso virou prioridade da CPI no Senado. A comissão suspeita do contrato para a aquisição da Covaxin por ter sido fechado em tempo recorde, em um momento em que o imunizante ainda não tinha tido todos os dados divulgados, e prever o maior valor por dose, em torno de R$ 80 (ou US$ 15 a dose).
Meses antes, o ministério já tinha negado propostas de vacinas mais baratas do que a Covaxin e já aprovadas em outros países, como a Pfizer (que custava US$ 10).
A crise chegou ao Palácio do Planalto após o deputado Miranda relatar que o presidente havia sido alertado por eles em março sobre as irregularidades. Bolsonaro teria respondido, segundo o parlamentar, que iria acionar a Polícia Federal para que abrisse uma investigação.
A CPI da Covid, no entanto, averiguou e constatou que não houve solicitações nesse sentido para a PF. Desde a revelação do caso, o governo mudou sua versão mais de uma vez.
A última versão é que Bolsonaro teria comunicado as suspeitas ao então ministro Eduardo Pazuello e que ele teria repassado ao então secretário-executivo do Ministério da Saúde Elcio Franco, que não teria encontrado irregularidades.
Entretanto, praticamente três meses depois da data em que os irmãos Miranda teriam alertado o presidente sobre possíveis irregularidades, o Ministério da Saúde decidiu suspender o contrato com a Precisa Medicamentos para obter 20 milhões de doses da Covaxin.
Além disso, ao se manifestar sobre o assunto, Bolsonaro primeiro disse que a Polícia Federal iria abrir inquérito para apurar as suspeitas e depois afirmou que não tem como saber o que acontece nos ministérios.
No dia 30 de junho, a PF instaurou um inquérito para investigar a compra da vacina Covaxin pelo governo. No mesmo dia, também o MPF (Ministério Público Federal) abriu um procedimento investigatório criminal, conhecido internamente pela sigla PIC, para apurar as suspeitas de crime no contrato de compra.
A partir do caso Covaxin, a Folha de S.Paulo chegou a outro caso de suspeitas de irregularidades, envolvendo a empresa Davati Medical Supply. A reportagem localizou Luiz Paulo Dominguetti Pereira, que se apresentou vendedor da empresa.
Em entrevista à Folha de S.Paulo na última terça-feira (29), ele disse que então diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, cobrou a propina de US$ 1 por dose de vacina para fechar contrato. As acusações foram repetidas em depoimento à CPI da Covid na quinta-feira (1º). Dias foi exonerado do cargo nesta semana.
CRONOLOGIA DO CASO COVAXIN
Reportagem aponta pressão atípica (18.jun)
Em depoimento mantido em sigilo pelo MPF (Ministério Público Federal) e obtido pela Folha de S.Paulo, Luís Ricardo Fernandes Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde, afirmou ter sofrido pressão de forma atípica para tentar garantir a importação da vacina indiana Covaxin,
‘É bem mais grave’ (22.jun)
Irmão do servidor do Ministério da Saúde, o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF) disse à Folha de S.Paulo que o caso é “bem mais grave” do que a pressão para fechar o contrato.
Menção a Bolsonaro (23.jun)
Luis Miranda afirmou ter alertado o presidente sobre os indícios de irregularidade. “No dia 20 de março fui pessoalmente, com o servidor da Saúde que é meu irmão, e levamos toda a documentação para ele”.
CPI aprova depoimentos (23.jun)
Os senadores da comissão aprovaram requerimento de convite para que o servidor Luís Ricardo Miranda preste depoimento. A oitiva será nesta sexta-feira (25) e o deputado Luis Miranda também será ouvido.
Os parlamentares também aprovaram requerimento de convocação (modelo no qual a presença é obrigatória) do tenente-coronel Alex Lial Marinho, que seria um dos autores da pressão em benefício da Covaxin. A CPI também decidiu pela quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático de Lial Marinho.
Denúncia grave (23.jun)
Presidente da CPI, o senador Omar Aziz (PSD-AM) afirmou que as denúncias de pressão e a possibilidade de que o presidente Jair Bolsonaro tenha tido conhecimento da situação talvez seja a denúncia mais grave recebida até aqui pela comissão.
Bolsonaro manda PF investigar servidor e deputado (23.jun)
O presidente mandou a Polícia Federal investigar o deputado Luis Miranda e o irmão dele, Luis Ricardo Fernandes Miranda. O ministro da Secretaria-Geral, Onyx Lorenzoni, e Elcio Franco, assessor especial da Casa Civil e ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, foram escalados para fazer a defesa do presidente. Elcio é um dos 14 investigados pela CPI.
Empresa diz que preço para Brasil segue tabela (23.jun)
A Precisa Medicamentos, representante no Brasil do laboratório indiano Bharat Biotech, afirmou que o preço de US$ 15 por dose da vacina oferecido ao governo segue tabela mundial e é o mesmo praticado com outros 13 países.
Governistas dizem que Bolsonaro repassou suspeitas a Pazuello (24.jun)
Senadores governistas da CPI afirmaram que o presidente pediu que Pazuello verificasse as denúncias envolvendo a compra da Covaxin assim que teve contato com os indícios.
‘Acusação é arma que sobra’ (24.jun)
Bolsonaro fustigou integrantes da CPI, repetiu que não há suspeitas de corrupção em seu governo e afirmou que a acusação sobre a vacina é a arma que sobra aos seus opositores. “Me acusam de quase tudo, até de comprar uma vacina que não chegou no Brasil. A acusação é a arma que sobra”, disse o presidente na cidade de Pau de Ferros, no Rio Grande do Norte.
‘Foi o Ricardo Barros que o presidente falou’ (25.jun)
Em depoimento à CPI da Covid, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), que é irmão do servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda, afirmou ter alertado Bolsonaro. A senhora também sabe que foi o Ricardo Barros que o presidente falou”, disse o parlamentar à senadora Simone Tebet (MDB-MS). Segundo ele, Bolsonaro afirmou: “Vocês sabem quem é, né? Sabem que ali é foda. Se eu mexo nisso aí, você já viu a merda que vai dar, né? Isso é fulano. Vocês sabem que é fulano”.
Governo suspende contrato com a Covaxin (29.jun)
Praticamente três meses depois da data em que os irmãos Miranda teriam alertado o presidente sobre possíveis irregularidades, o Ministério da Saúde decidiu suspender o contrato com a Precisa Medicamentos para obter 20 milhões de doses da Covaxin. Segundo membros da pasta, a decisão foi pela suspensão até que haja novo parecer sobre o caso. A pasta, porém, já avalia a possibilidade de cancelar o contrato.
Abertura de inquérito pela Polícia Federal (30.jun)
A Polícia Federal instaurou um inquérito para investigar a compra da vacina Covaxin pelo governo de Jair Bolsonaro, após pedido de abertura da investigação pelo ministro da Justiça, Anderson Torres. O caso será conduzido pelo Sinq (Serviço de Inquéritos) da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado da PF.
MPF instauração procedimento de investigação (30.jun)
O MPF (Ministério Público Federal) instaurou um procedimento investigatório criminal, conhecido internamente pela sigla PIC, para apurar as suspeitas de crime no contrato para compra da Covaxin. O procedimento foi aberto pela Procuradoria da República no Distrito Federal, que considerou suspeita a existência de muitos atos para a efetivação do contrato no mesmo dia ou em tempo curto. Uma celeridade contraditória em relação à postura da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que negou em março um pedido de importação.
Fonte: FOLHA – MATHEUS TEIXEIRA