Retrospectiva 2021 na visão de uma barata (1)
Na reflexão sobre o ano que acaba de terminar, passo em revista alguns eventos bons e outros episódios incluídos nas deploráveis regras da queda para fins de aprendizagem. Vivências do pouco tempo em que moro num lugar ermo na cordilheira da Borborema, entre Bananeiras e Solânea. Minhas aventuras e desventuras neste mundinho se revelam absolutamente irrelevantes, porém dotadas de uma lírica que só eu consigo enxergar. O que teria a falar de seu círculo um elemento isolado em sua casa, apartado do resto do mundo por ser do grupo de alto risco na escala das presumíveis vítimas do elemento patógeno? Tendo como ponto de partida meu quarto/escritório/estúdio, vasculho o universo através do meu velho computador e disparo minha fala no rádio e na internet. O jeito de me sentir ainda partícipe da tribo dos humanos, mesmo que de forma virtual. Na vida real, ao contrário, vejo-me cada vez mais antissocial. Nota de esclarecimento: comunico que o termo “antissocial” aqui empregado não significa aquele cabra portador de transtorno de personalidade, irresponsável e violento fora da lei. Meu comportamento reservado e introvertido é que dificulta minha socialização, principalmente em uma comunidade nova para mim. Há dois anos como morador daqui, conheço pouquíssimos habitantes desse sovaco de serra. Dessas figuras falarei adiante, porque antes quero relatar as experiências que marcaram a vidinha deste vosso escriba, acontecências relevantes para o homem comum que compartilho com os leitores.
Dentro de minha simplicidade tocante, comecei janeiro ganhando concurso nacional de poesia ruim, competindo com monstros sagrados desta categoria, a exemplo do ex-presidente Michel Temer. Minha poesia enjoativa e deletéria propicia momentos de meiguice e compaixão por tanta mediocridade. Uma pequena porção do meu verso trivial:
Chorei no mar
água salgada
lágrima salgada
como separar?
Depois de janeiro, até dezembro viajei ao sabor de fantasias, sonhos sonhados no meu sono polifásico, aquele que é dividido por várias fases durante a noite. Dorme-se pouco. Durante esses períodos de sono curto, você permanece entre a vigília e o estágio mais profundo. Diz a ciência que o sono polifásico ajudou na criatividade de personalidades como Leonardo da Vinci, Thomas Edson, Lord Byron e Napoleão Bonaparte. Entretanto, a imensa maioria das pessoas que dorme mal, sente apenas dor de cabeça e cansaço. Algumas são acometidas de fortes crises de imbecilidade extasiante. A modéstia impede a inclusão deste velho folhetista na última categoria. Evocações celestiais garantem que os anjos dormem pouco, sob o efeito do espirito de escoteiro: sempre alerta.
O mundo seguia com suas narrativas estrambólicas. Em janeiro, baratas invadiram o Capitólio. Depois se verificou que se tratava de mutações do gênero humano. Ainda em janeiro, psicografei um folheto de cordel do poeta Antonio Xexéu, com o título: “Depois que tomar vacina nunca mais tu vai brochar”. Começou a vacinação, iniciou-se mais um ano estúpido no Brasil e em fevereiro deu-se o carnaval da depressão. Eu continuava no meu canto, sem aglomerar com canalhas idiotas e com forte resistência à cloroquina. Ainda em fevereiro, caminhoneiros tentaram uma greve sem o comando dos patrões e o caminhão acabou não parando no piquete por falta de freios e excesso de rebite. Em março, só se falou no Big Brother Brasil, onde se sobressai uma moça por nome Carol com Cão. Naquele mês, fascistas soltam os cachorros pra morder a bunda de dona democracia, que escapa ilesa. Aproveitei para lançar meu folheto “Cordel do Alzheimer e outras bobajadas poeméticas”, abrindo com esta sextilha:
A cadela do fascismo
Volta e meia aparece
Com o rabo entre as pernas
Defendendo com uma prece
A moral e bons costumes
Enquanto o abismo tece
(Continua a retrospectiva no próximo número)