Rafaela Silva conquista 1º ouro do Brasil na Olimpíada do Rio

Rafaela SilvaÉ Silva, é da favela, é uma das milhões de brasileiras que tiveram uma infância pobre. A diferença é que o esporte transformou a vida de Rafaela, e cerca de quinze anos depois de ser colocada pelo seu pai em um projeto social que ensinava judô para evitar que o crime organizado a seduzisse, a menina carioca de 24 anos é a mais nova campeã olímpica do esporte mundial. Nascida e criada na famosa favela Cidade de Deus, Rafa enfileirou cinco adversárias e levantou uma contagiante torcida nesta segunda-feira, na Arena Carioca 2, no Parque Olímpico da Barra, para realizar o maior sonho de qualquer atleta no planeta, não importa de onde ele veio. Na final do peso-leve (até 57kg), a atleta de 1,69m se agigantou e venceu por wazari a judoca da Mongólia Sumiya Dorjsuren, líder do ranking mundial. É o primeiro ouro do Time Brasil na Olimpíada do Rio, a segunda medalha do país, após a prata no tiro esportivo de Felipe Wu, na pistola de 10m. A láurea de Rafa é a 20ª do judô nacional em Jogos Olímpicos, aumentando a vantagem da arte marcial de origem japonesa na disputa com a vela (17).

– Acho que eu só tenho agradecer todo mundo que me deu forças. Treinei bastante para representar todo esse ginásio. Se eu pudesse servir de exemplo para crianças da comunidade, é o que eu tenho para passar para o judô. Treinei tudo que podia nesse ciclo, saía treinando, chorando, queria a medalha. Trabalhei o suficiente para conquistar. Para uma criança que cresceu numa comunidade, que não tem muito objetivo na vida, como eu, que sou da Cidade de Deus, e começou a fazer judô por brincadeira, agora sou campeã mundial e olímpica – vibrou Rafaela, em entrevista ao repórter Tino Marcos, da TV Globo, logo depois de sair do tatame.

Desde que entrou pela primeira vez no tatame nesta segunda, Rafaela decidiu que ela ia muito longe na Olimpíada do Rio. Dona de um enorme talento para o judô, mas nada fã dos exaustivos treinos, ela foi campeã mundial em 2013, porém passou os três últimos anos sem grandes resultados e passou a ralar muito mais nos treinamentos. Estava tudo guardado para a competição na casa dela. Com muita raça, sangue nos olhos e uma técnica apurada, ela contou o apoio de uma ensandecida torcida que vibrou sem parar, pressionando as gringas. A Silva mais famosa do momento derrotou, pela manhã, em sequência, a alemã Myriam Roper (primeira fase), a sul-coreana Jandi Kim (oitavas) e húngara Hedvig Karakas. A vaga na decisão veio com uma emocionante vitória no golden score, a prorrogação do judô, sobre a forte romena Corina Caprioriu, prata em Londres 2012 e vice no Mundial de 2015.

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Depois da derrota em Londres 2012, a atleta sofreu com a reação negativa do público. Quando chegou no hotel após a eliminação nas oitavas de final, centenas de notificações em suas redes sociais chamaram atenção. Rafaela abriu o Twitter e se revoltou. Pela internet, havia recebido todo tipo de crítica e insultos racistas, e não se segurou. Rebatou os internautas. Na época, um representante do Ministério do Esporte em Londres chegou a sugerir que os responsáveis fossem processados, mas nenhuma ação foi adiante.  Após vencer a final do judô até 57 quilos e conquistar seu primeiro título olímpico, Rafaela Silva chorou muito e desabafou:

– Treinei muito, depois de Londres (Olimpíada de 2012), não queria ter aquele sentimento. Depois da minha derrota, todo mundo me criticou, falaram que judô não era para mim, que eu era vergonha para minha família. Agora sou campeã olímpica na minha casa. Neste ciclo olímpico, ninguém treinou mais que eu. Não tive bons resultados nos últimos anos, mas me preparei muito. Sofri muito depois da derrota em Londres, pensei em desistir. Em Londres vivi o pior momento da minha vida, mas pude me recuperar pra essa competição. Eu cheguei a ficar deitada na cama, desisti. Mas eu não podia deixar de representar o meu país – disse à repórter do SporTV, Marina Izidro.

Representante brasileiro no peso-leve masculino (até 73kg), o paulista Alex Pombo foi eliminado na manhã desta segunda logo na primeira luta, ao ser derrubado nos segundos finais pelo chinês Saiyinrigala. 

Nos dois primeiros dias do judô na Rio 2016, o Brasil havia passado em branco. O melhor resultado era o quinto lugar de Érika Miranda (52kg). Campeã olímpica em Londres 2012, Sarah Menezes ficou na sétima colocação, mesma posição do bronze na última Olimpíada Felipe Kitadai, do até 60kg. Charles Chibana (66kg) foi eliminado na primeira luta. Nesta terça-feira, a partir das 10h (de Brasília), será a vez da disputa do peso-meio-médio (63kg para as mulheres e 81kg para os homens). Mariana Silva, que não é favorita e correrá por fora, e Victor Penalber, bronze no Mundial do ano passado, são os brasileiros que buscarão medalha.

Estreia com vitória fulminante

Rafaela começou a Olimpíada com sangue nos olhos. Bastaram 13 segundos para ela encaixar um golpe de perna quase perfeito que jogou a alemã para o solo. Wazari da brasileira. Com um nível altíssimo de concentração, Rafa continuou buscando a gola e manga da oponente para liquidar logo a fatura.

Assustada diante da sua grande algoz, Ropper tentou entrar uma técnica de quadril, mas logo levou um contragolpe da brasileira e mais um wazari. Dois wazaris valem um ippon. E, após 45 segundos, Rafaela já estava nas oitavas de final. Vitória para empolgar.

Vitória sobre a número 2 do mundo

A luta entre Rafaela e a sul-coreana Kim foi iniciada com uma forte briga pela pegada. As duas se respeitaram muito e não davam moleza para que golpes fossem encaixados. Mais forte fisicamente, Rafa acabou conseguindo forçar uma punição da asiática, saindo na frente.

Passados dois minutos, Kim, a vice-líder do ranking mundial, passou a tentar uma nova pegada, mas não demonstrava vontade de lutar. Ótimo para Rafaela que viu a rival ser punida mais uma vez. Nervosa, a gringa deu espaço para que a carioca entrasse um bonito golpe de perna e a projetasse ao solo: wazari para Silva.

Com boa vantagem e um minuto para o fim da luta, Rafaela demonstrou que estava muito bem preparada e fez o tempo passar. A torcida brasileira ajudou em alto e bom som com a contagem regressiva de dez segundos, e vibrou muito com o triunfo de Rafa, que estava nas quartas.

O semblante concentrado de Rafaela deixou claro que ela estava sedenta para ir à semifinal. A carioca sabia que precisava se movimentar para encaixar a pegada na húngara, que tem um reflexo rápido. Mais agressiva, a europeia conseguiu forçar uma punição de Rafa. Mas, logo depois, ela devolveu.

Após uma luta parelha nos dois primeiros minutos e nenhuma entrada de golpe, Rafaela tratou de colocar fogo na disputa com a entrada de um potente golpe de perna: wazari para delírio da torcida que empurrava sem parar a atleta da casa.

Restava um minuto, e bastava Rafaela cozinhar a luta. Ela podia, inclusive ser punida mais duas vezes. Nem precisou. Vitória importantíssima, vaga na final e disputa de medalha garantida para a menina da Cidade de Deus.

Golden score tenso, e vaga na decisão

Como não poderia deixar de ser, a semifinal começou muito tensa. Analisando cada movimentação da adversária, Rafaela e a romena Corina ficaram disputando pegada incessantemente. Qualquer descuido poderia abrir espaço para a entrada de golpe da oponente. Ambas acabaram sendo punidas por falta de combatividade.

Passados os dois primeiros minutos de luta, Rafa começou a tentar se impor. O famoso uchimata (golpe de quadril com uso da perna) quase entrou. A europeia não buscava muito a luta, mas a arbitragem adotou uma postura de não interferir no resultado. A luta foi para o golden score.

Quem fizesse a primeira pontuação estaria na final olímpica. Era hora de lutar com o coração, mas sem esquecer que tinha uma grande oponente do outro lado. Passados 45 segundos, o juiz chegou a dar um yuko para Rafaela, mas ele voltou atrás, irritando a torcida brasileira.

O tempo corria e as duas se esforçavam muito para finalizar a luta. Rafa quase derrubou Caprirou com o seu uchimata. Já tinham passado três minutos. Era hora de derrubar a romena! Rafaela Silva foi lá e fez o serviço. A gringa tentou uma técnica de sacrifício, as duas fizeram muita força e a carioca acabou entrando um potente ouchigari, uma das técnicas mais simples de perna, para conseguir um wazari e se garantir na briga pelo ouro.

A grande final

Rafa entrou no tatame com cara fechada e uma concentração enorme. Como sempre acontece em lutas envolvendo duas grandes judocas, a disputa pela pegada foi tensa nas primeiras ações. Sem que as feras entrassem golpes, ambas foram punidas.

Com pouco mais de três minutos para o fim, Rafa encaixou um poderoso golpe de perna e conseguiu um wazari. O juiz pediu ajuda do replay dos árbitros de mesa e poderia ter dado ippon, encerrando o combate. Mas acabou sendo wazari mesmo. Segue a luta.

Rafa seguiu com muita atitude, mas a atleta da Mongólia cresceu. Líder do ranking mundial, Dorjsuren precisa correr atrás no minuto final. Nada tiraria o ouro de Rafa. E o tempo acabou. Ouro para o Brasil. Ouro de Silva.

GE

Redação DiárioPB

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