GERAL

Privilégios e injustiças x Direito e busca da justiça

TOGAApesar de ter sido formatado no período dos famigerados brasilianistas, instituídos e impostos pelos malévolos ditadores, e ainda seguir esta mesma linha em seu pensamento, o sociólogo Roberto DaMatta faz uma constatação importante entre a cultura brasileira e a estadunidense, o que explica muito das sociedades de lá e de cá. Segundo ele, na cultura estadunidense vale o indivíduo, já na brasileira impera o grupo, talvez uma remota referência à horda primeva, referenciada por S. Freud.

Aqui uma explicação. Não sou estadosunidófilo. Para mim eles são apenas mais um país. Mas, como a grande maioria dos brasileiros, colonialmente, vive e sonha, até a morte, com o American way of life, vale apena um rápido paralelismo.

De fato, nas culturas de tradição anglo-saxônica é corrente o indivíduo recorrer à justiça para obter seus direitos, no Brasil, que infelizmente descende de uma mísera cultura embolorada ibérica, ir à justiça representa uma vergonha, ou coisa de quem não tem o que fazer, ou ainda quem gosta de incomodar “os homi”. E é comum a própria justiça, o Estado e o sistema político geral desencorajarem as pessoas mais simples a não reivindicar seus direitos e “deixar pra lá”. Isso se revela na prática danosa de o Estado ocultar as leis que produz para que o povão não tenha conhecimento e assim não sabe de seus direitos e consequentemente não vai à justiça. Só quem pertence a determinados grupos pode ter conhecimento desta cabala nacional.

Sabemos, por variados exemplos, que no Brasil o indivíduo atomizado é triturado pela mó do grupo constituído. Por isso, que na obra de Machado de Assis, entre suas personagens, a figura do agregado é tão presente quanto importante é para se compreender a cultura nacional. É que como esses agregados eram pobres que se diziam bancos (sem posses) tornavam-se bajuladores de algum figurão ou de alguém remediado e bem relacionado para poder estar serviçal-parasitariamente atrelado a um grupo de influência, e assim não ficar individualmente isolado, tornando-se presa fácil de qualquer mal-intencionado. Nada mais representativo dessa nossa concepção social do que a rançosa e corrupta expressão “sabe com quem está falando?”, o indivíduo não basta, tem de ter referências.

Para atender a essa demanda social a nossa pseudo-justiça é programada para tal. Já me confidenciou um colega advogado, que antes de determinar e fixar uma indenização o juiz levanta a ficha do beneficiário: profissão, sobrenome, família a qual pertence, local onde mora etc. e o valor é definido a partir desses elementos: quanto mais pobre o indivíduo, menor o montante concedido, mesmo que a causa seja idêntica.

Dois casos num só tema servem de parâmetro para ver como funciona a questão da justiça in terra barsilis e na terra dos yankees. Dois casos de estupro e sua resolução.

Em 19 de maio de 2011, o mundo das finanças e da política foi sacudido com o noticiário do escândalo sexual envolvendo ninguém menos que o presidente do FMI, o francês Dominique Strauss-Kahn, que tentou estuprar uma camareira africana imigrante nos Estados Unidos. Ele, apesar de ocupar o cargo que ocupava, foi simplesmente algemado e preso, ficando encarcerado no complexo penal de Rikers Island, em Nova York. Ele que pretendia se candidatar a presidente da França teve a vida completamente arruinada.

No Brasil, estupro já se tornou rotineiro, mas alguns casos realmente são nauseantes. Como, por exemplo, o caso do ex-prefeito de Coari no Amazonas, Manuel Adail Amaral Pinheiro, que depois de tantas idas e vindas, recursos e manobras, e pressão da sociedade e dos meios de comunicação, enfim foi condenado a 11 anos e 10 meses a prisão em regime fechado, por crime hediondo de pedofilia e exploração sexual de menor. Em 08 de fevereiro de 2014. No entanto, ficou pouco tempo preso pois o juiz da Vara de Execuções Penais, Luís Carlos Valois, o liberou expedindo alvará de soltura, cumprindo uma determinação de um indulto (perdão da pena), isto é, teve a pena extinta por ordem da Presidência da República quando ocupava o cargo o usurpador Temer, publicada em 16 de dezembro de 2016. Ficou assim preso menos de três anos. E o promotor disse que o juiz havia justificado com o motivo de que o preso teve bom comportamento. Depois que foram revirar o caso descobriu-se que o ex-prefeito aprontou das suas na prisão; logo a história de bom comportamento, aventada pelo magistrado, era balela, uma mentira deslavada, conversa de “João sem braço” para liberar seu pimpolho endinheirado. Já as crianças e adolescentes que tiveram a vida destroçada, por essa criatura nefasta, não conta; são apenas indivíduos, tem de serem mortos, destruídos e descartados. Ele era bem relacionado: pertencia ao grupo dos políticos, dos poderosos, dos endinheirados, para esses, os juiz se levanta de madrugada, em final de semana e vem de pantufas assinar habeas corpus ou alvarás de soltura.

Onde que no Brasil um tipo feito o presidente do FMI iria preso? Nunca; pior ainda algemado; e onde que nos EUA um mero prefeito de cidade do interior iria ter as comodidades de privilégios de um juiz?

Vês que a justiça que aqui gorjeia não gorjeia como lá? Mas o que é justiça mesmo, em se tratando de Brasil?

Por Paulo Alves

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