Oito milhões de passageiros deixam de viajar de avião e boa parte migra para os ônibus
Depois de 12 anos em que o céu parecia o limite para o consumo da nova classe média, cerca de oito milhões de brasileiros que tinham viajado de avião pela primeira vez, naquele período, tiveram que colocar os pés no chão. E boa parte deles foi obrigada a voltar a andar pelo país de ônibus. A estimativa da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) é um reflexo de nada menos do que 15 sucessivas quedas mensais no volume de passageiros transportados.
Neste grupo de pessoas que têm trocado os voos pelas rodovias está a cabeleireira Thaís dos Santos, de 24 anos. A moradora de Angra dos Reis, na Costa Verde, costumava viajar de avião para visitar a família em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. No mês passado, porém, teve que encarar uma jornada de mais de 24 horas de ônibus, com a filha de 4 anos.
— Nas duas últimas vezes, fui de avião, Graças a promoções de passagens. Mas, por mais que seja cansativo, agora vou de ônibus. Não tem jeito. O orçamento está mais apertado, a situação está difícil. Meu marido, por exemplo, que é supervisor de obra civil, teve que ir trabalhar em Manaus — disse Thaís, que deixou a outra filha, de 7 anos, em Angra, porque não teve dinheiro para pagar mais uma passagem.
Há, ainda, quem tente aliar o conforto à economia, optando pelo avião apenas para a ida ou a volta. Foi o que fez o atendente de cafeteria Denis Silva, de 23 anos, que voou de São Paulo para o Rio, mas, para economizar, retornou pela Rodovia Presidente Dutra, que liga as duas cidades:
— Com a crise, em vez de pagar pouco mais de R$ 200 da passagem de avião, achei melhor pagar R$ 99 de ônibus. Tenho vários amigos que estão na mesma situação. Muita gente está migrando.
A previsão da Abear é que, este ano, a demanda no mercado doméstico de aviação encolha 8% em relação a 2015, o que representará oito milhões de passageiros a menos.
Aéreas defendem suas tarifas
Eduardo Sanovicz, presidente da Abear, afirma que as tarifas não são as responsáveis por essa migração. Foi o bolso dos passageiros que encolheu desde o ano passado.
— De 2002 a 2015, o preço (médio) das passagens aéreas caiu pela metade. Mas, em 2015, ficou claro o cenário de desemprego, que, no entanto, não é a causa, mas a consequência. O que afeta o setor aéreo é a economia muito ruim, pois as empresas põem o pé no freio. O volume de passageiros corporativos (viajando a trabalho), que responde por 65% dos bilhetes vendidos, cai. E o público de lazer, que viaja de férias, também.
Sobre perspectivas de melhoras, Sanovicz acredita que poderão surgir no fim de 2017.
— Nossa avaliação é que estamos num momento de pouso suave. Estamos nos aproximando do chão. Pode ser que, na próxima alta temporada, voltemos a ter números melhores para apresentar.
O impacto nos ônibus
O impacto da crise sobre o setor de transportes não se resume, porém, à migração de passageiros aéreos para as rodovias. Houve um efeito-cascata sobre as famílias que, antes da crise, já se deslocavam apenas de ônibus. Boa parte delas deixou de viajar devido ao orçamento apertado.
O cenário explica os números da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT): de 2014 para 2015, a quantidade de passageiros transportados em linhas interestaduais caiu 7,8%.
—O dono de uma loja com movimento ruim, consequentemente, para de ir a São Paulo comprar produtos, roupas… A crise na máquina econômica atinge o transporte rodoviário, o de automóveis e o aéreo — explicou Willian Aquino, engenheiro de transportes e diretor regional da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP).