TOCA DO LEÃO

O guardião dos livros

Não quero ser metido a gente boa, mas admiro a pessoa cavalheirosa, o sujeito cortês e a mulher nobre de querença e afeto pela humanidade. Essas criaturas feitas de boas intenções são responsáveis pela renovação de nossa esperança em um mundo mais benevolente. Na cidade Bananeiras, encontrei um senhor de minha idade que passou a vida estimulando a leitura e zelando por livros, ofício a que eu também me dediquei, embora com métodos e princípios diferentes. Na verdade, Manoel Luiz é alagoano de União dos Palmares, terra do poeta Jorge de Lima que foi o único poeta brasileiro selecionado para receber o Prêmio Nobel. Manoel especializou-se seriamente numa profissão não regulamentada que é a de incentivador do virtuoso hábito da leitura. É desses que sai espalhando livros por onde anda, fundando bibliotecas, tomando conta de estantes e salvando livros do lixo e do esquecimento. Estudante da Escola Agrotécnica Floriano Peixoto em Satuba, Alagoas, ele veio parar em Bananeiras, transferido para a Escola Vidal de Negreiros, onde fez o curso de Zootecnia. De lá não saiu mais. Foi Diretor de Cultura do Município, depois passou a cuidar da Biblioteca Pública e publicou diversos livros de memórias sobre a região que o adotou.

Esse alagoano/paraibano foi descoberto por mim na Academia Solanense de Letras, eu que sou pernambucano/paraibano e tenho a percepção também de me sentir leve quando descarrego livros em alguma biblioteca pública ou nas ruas, em escolas, em quiosques, qualquer ambiente onde possa montar a prateleirazinha de troca informal de livros. Em comum com Manoel Luiz, tenho ainda o vício de escrever e o fato de sermos confrades na irmandade dos ex-alunos da nossa Escola Agrotécnica Vidal de Negreiros, de Bananeiras, educandário prestes a comemorar centenário no próximo ano.

Cheguei há três anos em Bananeiras/Solânea. Quando dei fé estava no meio de pessoas concentradas na ocupação de difundir cultura, gente carregando a grande bandeira do conhecimento acadêmico e também popular, mestres do cordel, a exemplo do professor poeta Alexandre Araújo, ativistas culturais como o professor Wolhfagon Costa e compositores do forró representados pelo amigo Severino Gomes, famoso Tuíca do Rojão. Uns e outros dividindo sua laboração entre Solânea e Bananeiras, cidades que ficam a apenas três quilômetros de distância uma da outra. Tanto que o infatigável Manoel Luiz participa da Academia de Letras de Solânea e ajudou a fundar recentemente a Academia Bananeirense de Letras e Artes, agremiação que foi poeticamente batizada com a sigla “Abela”.

De modo que me vejo em um brilhante passado e um presente razoável, eu que estudei no Colégio Vidal de Negreiros, turma de 1975 e sou sócio efetivo das duas academias, não me sentindo muito bem fisicamente para topar a parada de comemorar o centenário dessas duas entidades que ajudei a fundar nas cidades-gêmeas. Mas, prossigamos porque a vida é divertida e eu gostaria de ser apontado post mortem como um sujeito que viveu seu papel no palco da vida com razoável senso de humor e discreto charme tragicômico.

Voltando ao mestre Manoel Luiz, nome do meu avô materno, fui agraciado com exemplares dos seus livros “Colégio Agrícola no prenúncio do seu centenário” e “Tributos a Edilberto Coutinho – De Bananeiras para o mundo”, esse cronista, contista, ensaísta, jornalista e professor universitário, filho de seu Francisco Coutinho Filho, folclorista bananeirense, patrono da ABELA, Academia Bananeirense de Letras e Artes. Em contrapartida, levei o insigne alagoano para conversar na velha Rádio Tabajara da Paraíba AM, no programa “Alô Comunidade”, onde ele contou suas histórias, sem falar de algumas figuras históricas cujo julgamento não é dos mais lisonjeiros, porque Manoel é um sujeito discreto. Seu exame da vida real deletéria é feito somente de intenções silenciadas. Melhor assim, porque escapamos das vãs vaidades de querermos ser donos da veracidade ideológica, com seus inevitáveis choques. Não temos mais idade para esses abalroamentos de conceitos e juízos políticos.

Fábio Mozart

Fábio Mozart transita por várias artes. No jornalismo, fundou em 1970 o “Jornal Alvorada” em Itabaiana, com o slogan: “Aqui vendem-se espaço, não ideias”. Depois de prisões e processos por contestar o status quo vigente no regime de exceção, ainda fundou os jornais “Folha de Sapé”, “O Monitor Maçônico” e “Tribuna do Vale”, este último que circulou em 12 cidades do Vale do Paraíba. Autor teatral, militante do movimento de rádios livres e comunitária, poeta e cronista. Atualmente assina coluna no jornal “A União” e ancora de programa semanal na Rádio Tabajara da Paraíba.

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