TOCA DO LEÃO

Músicos de Deus na terra de Sivuca

No meu último podcast 10 Minutos no confessionário”, tratei do meu respeito e admiração pelos músicos evangélicos de Itabaiana, cidade que produziu o grande mestre Severino Sivuca e o saxofonista comunista Severino Rangel, o Ratinho da dupla Jararaca e Ratinho, autor de um dos maiores clássicos da música instrumental brasileira, “Saxofone, por que choras?”. A trinca de severinos geniais itabaianenses é completa com Severino Andrade, o poeta matuto Zé da Luz, mas esse foi brilhante nos versos regionais, não passou de tocador de bombo na banda filarmônica 1º de Maio, assim mesmo reprovado por não acertar o compasso.

Lembrei minha mãe, ainda vivente neste mundo dissonante, evangélica da Igreja Batista, uma senhora que direcionou sua fé para o bem, sempre comedida, guardando sua fé com devoção, mas sem ofender a fé de ninguém. Ensinamento de tolerância nesses tempos atuais de tanto ódio, mistura de religião fundamentalista com política, que é uma coisinha altamente explosiva.

Na Igreja Batista conheci um músico chamado Severiano Fagundes, tocador de trombone de vara, maestro, compositor e regente da nossa banda 1º de Maio, um dos maiores músicos do seu tempo.  Esse Severiano gostava de tomar cachaça, foi farrista, tocava dois dias no carnaval e dois dias passava tomando goró, caía na gandaia geral, fazia seu carnaval particular. Depois se converteu ao evangelho, deixou a vida de músico devasso e foi tocar seu trombone humildemente para Deus. Era uma pessoa excelente, humilde, um talento que se dedicou, pelo resto da vida, a glorificar sua divindade através da música. Nunca falou mal de católico, de umbandista, de ateu, de nada. Vivia a vidinha dele tocando seus hinos no trombone. Levou uma existência digna e sem implicar com a vida de ninguém.

Músico cristão de quem me tornei muito amigo, o irmão Josino Mendes, esse tocava violão e piano, era também maestro. Outro que eu boto na lista das pessoas dignas, esse Josino Mendes. Ainda hoje toca seu violão, seu piano, estuda suas partituras sem fazer barulho, na dele, sempre quieto, sem esbravejar que é santo, que está salvo, que só se salva quem for do time dele e os outros vão tudo para o inferno, como diz o fundamentalista. Josino Mendes também congregava na igreja Batista. Éramos alunos da escola dominical, a gente tudo criança. Ele seguiu na sua fé e eu perdi a peinha de crença que guardava na consciência já libertária. Fui ser livre pensador, que de livre não tem nada.

Outro músico evangélico itabaianense chamava-se Nabor Nunes Filho. Conheci seu pai, o tipógrafo Nabor Nunes, patrão do meu pai. Nabor Filho foi filho único do Nabor Pai. Enquanto o pai era boêmio e comunista, o filho mostrou-se um músico prodigioso, servindo ao seu Deus desde pequeno, ao lado da mãe que era congregada na Igreja Batista e muito amiga de minha mãe. Aos nove anos ele se tornou organista da então pequena Igreja Batista de Itabaiana. Tinha um excelente ouvido musical e “tirava” as melodias dos hinos na hora. Aos 13 anos fazia parte da banda de música da cidade, tocando requinta (uma espécie de clarinete pequeno). Foi nesse ano que Nabor fez sua primeira composição. Em 1958 entrou no Colégio Americano Batista de Recife, onde completou os cursos ginasial e científico. Estudou teologia, tornou-se pastor da Igreja Metodista em Piracicaba, São Paulo. Foi um músico extraordinário, atuando principalmente em Composição, Regência e História da Música. Nabor Nunes Filho faleceu em 13 de fevereiro de 2013, no Estado de São Paulo.

Veja também

Sérgio Ricardo entrevista o ator Joallisson Cunha, da série “Cangaço Novo” no Alô Comunidade

 

Fábio Mozart

Fábio Mozart transita por várias artes. No jornalismo, fundou em 1970 o “Jornal Alvorada” em Itabaiana, com o slogan: “Aqui vendem-se espaço, não ideias”. Depois de prisões e processos por contestar o status quo vigente no regime de exceção, ainda fundou os jornais “Folha de Sapé”, “O Monitor Maçônico” e “Tribuna do Vale”, este último que circulou em 12 cidades do Vale do Paraíba. Autor teatral, militante do movimento de rádios livres e comunitária, poeta e cronista. Atualmente assina coluna no jornal “A União” e ancora de programa semanal na Rádio Tabajara da Paraíba.

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo