TOCA DO LEÃO

Meu batismo nas atividades criminosas

O dia 16 de outubro, a Igreja Católica consagra a Santa Edwiges, a padroeira dos pobres e endividados. Foi nesse dia, no distante ano de 1974, que um rapaz matuto e extremamente tímido desembarcou na rodoviária da Primavera, na capital da Parahyba do Norte, com uma mala de papelão contendo uma rede, duas cuecas, três camisas “Volta ao mundo”, um chinelo de couro cru e duas calças “rói rola”, vestido em uma calça “Faroeste”, de bigode fino e costeletas, sapatos baratos de verniz e uma carta de referência. O sonho: ser repórter do jornal O NORTE, da grande rede de jornais Diários Associados, o maior jornal da Paraíba naqueles recuados anos.

A carta estava endereçada ao jornalista itabaianense Cecílio Batista, Chefe de Redação do jornal, assinada pelo também jornalista Arnaud Costa, amigo de infância de Cecílio. Na carta, Arnaud explicava que aquele rapaz escrevia direitinho e gostaria de ser aproveitado no jornal. O portador da carta era eu mesmo, Fábio Mozart, então com 19 anos e ilibada reputação de repórter precoce, tendo editado meu primeiro jornal aos quinze anos.

Fui mandado a um tal de Juarez, editor da página policial d’O NORTE. Passei a trabalhar como repórter policial, façanha que conto no meu livro “A Voz de Itabaiana e outras vozes”.

Portanto, este ano completa 45 anos que entrei para trabalhar em um jornal de grande circulação. Das lembranças daqueles dias, os olhos do repórter perdido na cidade grande me contemplam no meio do expediente, em pleno Ponto de Cem Réis onde eu fazia ponto, redigindo minhas notas sentado em um banco de praça. Por não cumprir todos os ritos da profissão, incluindo bajular e corromper fontes além de derramar muito sangue de pobre nos linotipos, livrando as taras, malversações e demais podridões das classes abastadas, criei nojo da página policial.

Mas foi bom. O rapaz embaraçado e inseguro teve que descer ao escuro porão da imprensa onde se guarda longe dos leitores os segredos imundos desse mundo obscuro da informação. Citando o chanceler alemão Otto Vön Bismarck: “se o povo soubesse como se fazem jornais e linguiças, não leria um nem comeria o outro”.

Muitos anos depois fundei meu próprio jornaleco, Tribuna do Vale, que circulou durante 12 anos em Itabaiana, Pilar, Mogeiro, Juripiranga, São José dos Ramos e Salgado de São Félix. Deixou de circular por absoluta inconsistência econômica e gerencial.

O censor do meu jornal era eu mesmo. Diante de matérias que pudessem desagradar meus clientes, preferia sacrificar o conteúdo. Melhor ter a informação possível do que nenhuma. Estou dizendo isso porque não sou jornalista nem hipócrita. Nem precisava forçar nenhum jornalista formado a escrever o que eu mandasse. Era o único redator do meu jornal.

O povo lia meu jornal, primeiro porque era de graça, caía na mesa do burocrata e na banca do estudante, estava ao alcance do bodegueiro e do motorista de táxi, mas numa linguagem decente, sem apelação, que o povo merece ver respeitada sua dignidade de leitor. Segundo porque era o único com noventa por cento do noticiário composto por matérias de interesse local.

Meu jornal tinha uma tendência oposta à imprensa tradicional: empenhava-se em divulgar notícias boas preferencialmente. Preferia destacar que determinado aluno de uma comunidade pobre ganhou um prêmio pela excelência de sua vida escolar do que dar visibilidade aos crimes do narcotráfico.

Minha rede de conivências era pequena, portanto não afetava os princípios básicos do meu jornal. Tinha poucos anunciantes e vendia espaço para alguns órgãos públicos. Não era um jornal crítico nem difamador, mas um impresso que continha cultura e opinião a serviço do progresso humano.

Como nunca frequentei uma escola de jornalismo, em vez de técnicas de jornalismo comercialista e vendilhão, aprendi que não se deve trair o leitor, ou tentar manipular o sujeito que lê o produto jornalístico. Ao contrário, tinha sempre em mente que meu jornal só teria sentido se contribuísse, o mínimo que fosse, para o enriquecimento material ou espiritual da comunidade onde o leitor vive. De outra forma não será jornalismo e não terá nenhum valor. Seria uma “imprensa amestrada”, como diria Osvald de Andrade.

Toca do Leião

por Fábio Mozart

Redação DiárioPB

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