JUSTIÇA

Juíza Gabriela Hardt e mais três desembargadores são afastados pela corregedoria

A magistrada e os três desembargadores do TRF-4 são investigados em um suposto esquema de 'cash back' no âmbito da operação Lava Jato

A juíza Gabriela Hardt, ex-titular da 13ª Vara de Curitiba, e mais três desembargadores que atuam no Tribunal Regional Federal da quarta região (TRF) foram afastados pelo corregedor-nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão, por burlar a ordem processual, violar o código de magistratura, prevaricar e até burlar decisões do Supremo.

De acordo com informações obtidas pela jornalista Daniela Lima, da Globo News, a decisão do corregedor, que já foi encaminhada aos pares do Conselho Nacional de Justiça, afirma que a juíza admitiu ter discutido previamente decisões com integrantes da extinta operação Lava Jato. Também são apontadas ‘violações ao dever funcional de prudência, separação dos poderes e ao código de ética da magistratura’.

Segundo o CNJ, a juíza Gabriela Hardt avalizou a criação da fundação Lava Jato abastecida com recursos da Petrobras com base em ‘informações incompletas e informais, fornecidas até mesmo fora dos autos pelos procuradores de Curitiba. Tal operação, que agora está sob investigação, é vista como semelhante a um esquema de ‘cash back’.Em sua decisão, o corregedor nacional da Justiça, Luís Felipe Salomão, reconhece algumas realizações da Lava Jato, mas que, em determinado momento, ‘descambou para a ilegalidade’.

‘Aparentemente, a atividade que impõe a atuação com probidade legítima, íntegra e transparente, acabou descambando para a ilegalidade. Valendo-se da função de juíza que o Estado lhe confiou para fazer valer suas convicções pessoais, atuou como suspeita. Então, neste caso, o afastamento atende à necessidade do resguardo da ordem’, declarou o corregedor na ação que determina o afastamento da juíza Gabriela Hardt.

Por sua vez, os desembargadores Thompson Flores, Danilo Pereira Júnior (atual titular da 13ª vara) e Loraci Flores de Lima foram afastados por desobedecer a decisões do Supremo Tribunal Federal. O pedido para análise da burla a decisões da Corte foi feito à Corregedoria pelo ministro Dias Toffoli.

A Fundação Lava Jato: entenda o caso

O caso foca no documento assinado pelo Ministério Público Federal (MPF) de Curitiba, pela Petrobras e pelo Departamento de Justiça estadunidense, em janeiro de 2019. Gabriela Hardt homologou acordos de que previa a criação do fundo, administrado pelos procuradores da Lava Jato, chefiados por Deltan Dallagnol, com dinheiro da estatal.

A proposta estipulava o depósito de R$ 2,5 bilhões, referentes à acordos de leniência e delação premiada firmadas pela Petrobras com autoridades do Estados Unidos, no fundo. Na época, a então juíza substituta, da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, decidiu pela suspensão do acordo após repercussão negativa sobre o fundo.

Em março daquele ano, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu o acordo, determinou o bloqueio dos valores depositados na conta da 13ª Vara Federal de Curitiba e intimou os envolvidos para prestarem esclarecimentos.

Para o magistrado, a execução e fiscalização do cumprimento de obrigações assumidas pela Petrobras no exterior não correspondem às obrigações estabelecidas aos membros do MPF.

“Importante destacar, ainda, que os termos do acordo realizado entre a Petrobras e o governo norte-americano, além de não indicarem os órgãos do MPF/PR como sendo as ‘autoridades brasileiras’ destinatárias do pagamento da multa, igualmente jamais indicaram a obrigatoriedade ou mesmo a necessidade do depósito dos valores ser realizado perante a 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba”, apontou.

Em 2019, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR) apresentou a reclamação contra Gabriela Hardt, alegando que a juíza cometeu infração disciplinar ao atuar fora de sua competência com a homologação de um acordo cível.

A presidente do PT, junto de outros parlamentares, pede ao CNJ pela “declaração de ilegalidade da conduta da magistrada”, bem como a aplicação de sanções como advertência, censura e aposentadoria compulsória.

Na época, a reclamação foi arquivada pelo ministro Humberto Martins, com a formação de maioria no CNJ pela manutenção da decisão. No entanto, o corregedor nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão, levantou questão de ordem pedindo que o caso não fosse arquivado até a divulgação dos resultados da correição extraordinária feita na 13ª Vara de Curitiba.

Segundo ele, há novos elementos na homologação do acordo, porém, o resultado ainda não foi divulgado e disponibilizado aos demais integrantes do conselho. Embora não tenha esmiuçado a correição, Salomão sugeriu que há evidências de “irregularidades” na homologação do acordo entre o MPF e a Petrobras.

“Os tópicos apresentados até aqui indicam uma proatividade do juízo no direcionamento de valores antes mesmo do trânsito em julgado. As circunstâncias que explicam essa celeridade foram expostas pela própria magistrada durante uma audiência para a tomada de seu depoimento”, relatou.

Salomão indicou que, dias antes da assinatura da homologação, Gabriela Hardt foi procurada por integrantes da força-tarefa da Lava Jato do Paraná para discutir informalmente detalhes do acordo, recebido com antecedência.

De acordo com o corregedor, o caso é relevante porque envolve a destinação de verba pública para a criação de uma fundação privada. “Não parece razoável que, a pretexto de combater a corrupção, se pratique a corrupção. Não parece razoável que, sem uma apuração adequada, possamos dizer com tranquilidade: isso aqui (a reclamação) está sendo arquivado porque não tem nada”, manifestou.

Outro julgamento

Gabriela Hardt também é acusada por outra conduta fora de suas competências legais enquanto conduzia os processos originados na Operação Lava Jato, isto é, uma irregularidade no exercício de sua função pública.

A denúncia partiu do empresário Tony Garcia, que diz ter avisado Gabriela sobre ações ilegais levadas a cabo por Sergio Moro e pelos integrantes da força-tarefa da Lava Jato do MPF, chefiada no período pelo então procurador Deltan Dallagnol. Segundo Garcia, a juíza simplesmente ignorou a acusação e não fez nada em relação aos crimes levados ao conhecimento dela por ele.

A denúncia aponta que Gabriela “manteve-se inerte no depoimento de março de 2021, no qual Tony Garcia relatou supostos fatos potencialmente criminosos” praticados por Moro e pelo pessoal da MPF. No ano seguinte, a juíza se declarou suspeita e pediu para sair de todos os casos envolvendo o empresário paranaense pelo fato de ter protocolado contra ele, no MPF, uma queixa de crimes contra a honra.

A investigação contra Gabriela Hardt

O Supremo Tribunal Federal (STF) revalidou no fim de 2023 a decisão do juiz Eduardo Appio que apontava para “animosidade” e “parcialidade” da juíza Gabriela Hardt à frente da 13ª Vara Federal de Curitiba. Em setembro, o TRF-4 tinha declarado a suspeição de Appio para julgar casos da Operação Lava Jato e anulado todas as suas decisões, incluindo essa.

A decisão do Supremo também trouxe de volta à mesa diálogos da Operação Spoofing que apontam para um conluio entre Hardt e procuradores da Operação Lava Jato, entre eles Deltan Dallagnol. Entre 2015 e 2018 os tais diálogos mostram Hardt, Dallagnol e outros procuradores combinando fases da Operação Lava Jato.

As conversas foram expostas pela defesa de Márcio Pinto Magalhães, empresário e ex-representante da Trafigura Brasil, preso no âmbito da Lava Jato pelo pagamento de supostas propinas a servidores da Petrobrás. Os advogados de Magalhães utilizaram os diálogos a fim de provar a atuação enviesada de Hardt e pedir a sua suspeição.

Appio, que naquele momento estava à frente da 13ª Vara de Curitiba, deu ganho de causa aos advogados de Magalhães. Mas em 10 de setembro, esse quadro seria invertido.

Em acórdão publicado naquela data, os desembargadores da 8ª Turma da Corte seguiram o voto de Loraci Flores de Lima, que acolheu uma exceção de suspeição criminal apresentada pelo Ministério Público Federal de Curitiba contra Appio, que substituiu a juíza Gabriela Hardt na 13ª Vara Federal de Curitiba e que é um crítico ferrenho aos métodos da Lava Jato à época que a operação era conduzida por Deltan Dallagnol, Sergio Moro e outras figuras da chamada “República de Curitiba”.

Uma das “provas” que justificariam a suspeição de Appio, segundo o tribunal, seria uma citação a um suposto familiar do juiz em uma lista de “apelidos” da Odebrecht. Essa “prova”, entretanto foi anulada por Dias Toffoli, do STF, bem como todas as outras obtidas através do acordo de leniência com a empreiteira, no despacho em que o ministro classifica a prisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva como “um dos maiores erros judiciários da história”.

Meses antes, uma decisão do TRF-4 afastou Appio por uma suposta ligação telefônica em que teria tentado intimidar o filho do desembargador Marcelo Malucelli. Para o corregedor nacional de Justiça, “evidenciam-se elementos suficientes à manutenção do afastamento do magistrado até o final das apurações”. O juiz nega as acusações.

A recente decisão do Supremo e a volta dos diálogos podem trazer uma reviravolta ao caso.

Confira os diálogos

As mensagens a seguir foram obtidas pela Operação Spoofing, da Polícia Federal, e reveladas pela CNN Brasil. Neste primeiro diálogo, ocorrido em 17 de dezembro de 2015, Dallagnol ainda era o chefe da força-tarefa da Lava Jato. Em conversa com o também procurador Diogo Castor de Mattos, ele estava preocupado com as férias de Hardt, a juíza que substituía Sergio Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba.

“Não teremos Moro, nem Gabriela, entre os 7 e 19 de janeiro, mas assim, Alessandro, da 14 Vara. Não sei nada sobre ele”, afirmou.

 

“Meu chapa, fique tranquilo. Não acho que ele liberte alguém. Não é do perfil dele”, respondeu Diogo.

 

“Então quem que a gente vai prender?”, questiona Dallagnol.

No ano seguinte, em 2018, um homem identificado como “Paulo”, possivelmente o procurador Paulo Galvão, sugere uma reunião da Lava Jato com Gabriela Hardt, em momento que a operação não andava bem das pernas.

“Mas olha, todo mundo aqui passa por mim e comenta ‘de brincadeira’ que a Lava Jato vai acabar… acho bom mostrarem trabalho esse ano ainda! Seria o caso de ir conversar com a Gabriela para falar das operações pendentes de decisão? E outra, se deixar arrefecer não terão substituto”, escreveu.

No dia seguinte, Dallagnol, Isabel Grobba, Jerusa Viecelli e Athayde Ribeiro Costa, todos procuradores da Lava Jato, concordaram com ‘Paulo’ em nova troca de mensagens.

“Precisamos marcar reunião com a Gabriela sobre as fases pendentes de decisão. Temos só a do Athayda e da Jerusa”, escreveu Dallagnol.

 

Grobba respondeu: “Com a Polícia havíamos pré agendado para 21/11, mas não houve decisão”.

 

Athayde Ribeiro Costa: “A do JAP tá confirmada dia 30/11, com sinal verde de Gabriela. Tive que consultá-la porque Pace (Filipe Hille Pace, delegado da PF) iria mandar a equipe ver endereços na segunda e havia uma assistência do Igor (Igor Romário de Paula, outro delegado da PF), achando que só ocorrera a fase no ano que vem.

 

Jerusa Viecelli então escreve o seguinte: “Muito importante que saiam este ano as duas fases deferidas por Gabriela, para demonstrar que a Lava Jato continua viva. Parece que haverá uma grande no Rio dia 10/11”.

Para encerrar, Dallagnol delibera: “Então vou marcar com ela para o começo da semana”. E Isabel Groba demonstra seu apoio: “Deltan, estarei aí e vou com você, tá?”.

7 de novembro de 2018, e o grupo de procuradores da Lava Jato volta a mostrar preocupação com as férias de Gabriela Hardt.

Laura Tessler: “Pessoal, acabei de ver a nossa agenda (conectada também a da 13ª Vara Federal de Curitiba) que a Gabriela estará de férias de 19/11 a 9/12. É bom perguntar a ela quem ficaria com a Lava Jato nas férias.

 

Jerusa: “Perguntaremos, mas pode ser que ela cancele, já que o titular está de férias também”.

O diálogo a seguir se deu em 18 de dezembro de 2018. A troca de mensagens versa sobre o anúncio de Dallagnol de que havia se reunido com Hardt.

Dallagnol: “Sem pressão, Gabriela disse sobre as denúncias, ‘poxa não chegou nenhuma ainda…’ Expliquei que estamos trabalhando intensamente e prometi avisar quando protocoladas”.

 

Jerusa: “Aproveita e fala pra ela parar de soltar todos os presos”.

 

Dental: “Jan, não entendi bem, mas podemos conversar quando quiser. Vou te mandar os laudos inbox, já”.

 

Walter Prr (possivelmente Antônio Carlos Welter): “Diz para ela aproveitar o dia de hoje para fazer as compras de Natal, porque no resto da semana ela vai ter muito o que fazer”.

 

Deltan: “(risos) disse isso pra ela: se ajudar, podemos enviar a minuta no estado atual para já ir apreciando. Está quase final. Não sei se vendi o que não temos, mas mostra uma alternativa”.

Revista Fórum

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Redação DiárioPB

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