Ingá: entre senzalas e ETs
A cidade de Ingá do Bacamarte, incrustada na zona de transição entre o Agreste e o Semiárido paraibanos é um lugar que guarda coisas surpreendentes. Ganhou fama depois da descoberta do sítio rupestre onde estão as, assim chamadas, Itacoatiaras.
A guarda do monumento arqueo-astronômico excepcional de Ingá está sob a responsabilidade de Walter Mário Góis da Luz, herdeiro da Fazenda Senzala, que fica há poucos quilômetros do conjunto de petróglifros. Mais conhecido como “Vavá da Luz”, o zelador da Itacoatiara é uma figura extrovertida e extravagante, com cara de gringo e quase dois metros de altura.
Na fazenda, onde reside com sua família, o “xerife” Vavá possui um dos maiores acervos da historiografia paraibana, notadamente, artefatos, utensílios e ferramentas do que restou de uma das últimas senzalas de escravizados africanos que a Paraíba teve conhecimento.
A Casa Grande ainda está intacta, mas ele conta que quando foi morar no local resolveu derrubar as estruturas da Senzala, onde construiu sua atual residência. Segundo Vavá, ali viveram mais de uma centena de negros e negras empregados nas lidas da fazenda.
Num dos episódios mais dramáticos do lugar, existe uma história que narra o assassinato de mais de 60 escravos, fugitivos do trabalho forçado nas terras dos antepassados de Vavá. O crime foi tão bárbaro que ficou conhecido na região como “Matanegos”. Segundo conta Vavá, um dos responsáveis pela chacina seria o então capitão-do-mato Ludovico de Melo Azedo, um antigo capanga do Capitão Amaral (Antônio Joaquim do Amaral e Silva), um português extraditado pro Brasil que foi bater no Ingá e ali se estabeleceu.
Quilombos
Ludovico tem nome de rua em Ingá e já ouve até algum movimento na cidade para retirar essa homenagem, mas a ideia não prosperou e o carrasco dos negros segue sendo tratado como “herói”. É incrível, mas na região de Ingá, atualmente existem três comunidades tradicionais quilombolas.
A comunidade do Grilo recebeu a posse da terra recentemente. Na redondeza tem também as comunidades quilombolas de Matias e de Pedra D’água. Aos poucos a região vai se reencontrando com suas origens africanas.
Uma das teorias sobre a Itacoatiara de Ingá é a de que ela foi parar ali ainda nas eras remotas em que os continentes estavam interligados numa única e imensa placa tectônica. Os africanos escravizados trazidos para Ingá jamais imaginariam se reencontrar com um monolito grifado do outro lado do Atlântico, centenas de milhares de anos depois que os continentes de dividiram.
Falciforme
Na próxima sexta-feira, 17, Campina Grande vai sediar novamente o Encontro de Pessoas com Doenças Falciformes da Borborema. O evento deverá reunir médicos, especialistas, gestores da saúde e pacientes para discutir a saúde pública da população negra, já que essa patologia atinge, predominantemente, afrodescendentes.
Nessa terceira edição, o encontro ocorrerá no auditório da Vila do Artesão e vai trazer à Paraíba a assistente social mineira Maria Zenó Soares da Silva, coordenadora-geral da Federação Nacional das Associações de Pessoas com Doença Falciforme (FENAFAL). Ela fará um panorama da organização dos pacientes no Brasil e dos desafios dos movimentos sociais para o controle social no SUS.
O evento tem o apoio da Secretaria e do Conselho Municipal de Saúde de Campina Grande numa realização conjunta com a Associação Paraibana de Portadores de Doenças Hereditárias (ASPPAH).
Coluna Elejó
Por Dalmo Oliveira