França: O retorno do movimento operário
Na vanguarda estavam os trabalhadores das refinarias, acompanhados por parte dos caminhoneiros. Depois foram os trabalhadores das centrais nucleares. O dia 26 foi uma jornada de greves em vários setores privados: O fabricante de submarinos nucleares DCNS, Amazon, o grupo Peugeot com a planta de Mulhouse à cabeça, entre outras empresas. A greve não é geral, mas é forte e está se espalhando, e a sua força afeta setores estratégicos como os portos, energia, etc. Essa semana está aderindo o setor do transporte: Desde terça-feira tem greve indefinida chamada pela CGT e outros sindicatos nos trens, quinta-feira, a mesma coisa no transporte urbano da região parisina e desde o sábado tem greve de 6 dias dos pilotos da Air France. Desde hoje está bloqueada a principal planta de tratamento de resíduos próxima de Paris, a maior da Europa. Portuários vão paralisar na França toda.
Depois da derrota da luta contra a reforma das aposentadorias em 2010, os sindicatos e a classe operária ainda que com inúmeros conflitos parciais que mostravam o descontentamento dos operários, não conseguiram articular uma luta de massas. A reforma trabalhista foi a gota d’água e cristalizou os distintos descontentamentos acumulados contra esse governo que usurpa o nome da esquerda. Só por isso já é histórica: marca a ruptura pela esquerda do “povo de esquerda” com Hollande e possivelmente com o PS. Talvez esse partido termine como o PASOK na Grécia, pese a que a crise econômica e social na França não tem ainda a dimensão que tomou neste país da periferia europeia.
Uma batalha de classe que, para além do resultado, abre possivelmente um novo ciclo de luta de classes na França e talvez na Europa, onde os ferroviários belgas estão complicando a vida do governo que tenta aplicar uma reforma “a la francesa”. Para os leitores do Esquerda Diário, é central seguir essa luta pois é o confronto mais importante e prolongado dos trabalhadores num país central como é a França, a quinta potência imperialista, contra os efeitos da crise mundial aberta em 2007/08.
Um grito contra as inumanas condições e o conteúdo do trabalho
Por trás da mobilização concreta contra a lei, tem começado a se expressar uma profunda insubordinação, como a explosão contra o despotismo da empresa do velho capitalismo familiar francês que emergiu na superfície da sociedade francesa abertamente no Maio de 1968, e a onda de ocupações de fábricas. A resposta patronal a essa rebelião operária no coração do processo de produção foi depois dos anos 1980, uma política patronal de individualização sistemática da gestão dos assalariados. Isto levou a um salto na precarização das condições de trabalho e no conteúdo do trabalho de inúmeros trabalhadores.
Nas palavras de um especialista: “Este caracteriza-se por uma intensificação do trabalho, o estabelecimento de objetivos individuais cada vez mais elevados e difíceis de conseguir, o requisito de seguir procedimentos, protocolos, as ‘boas práticas’ (decididas pelos consultores de grandes firmas internacionais, afastados da realidade do trabalho concreto dos trabalhadores afetados), e uma desqualificação da experiência e dos conhecimentos resultado da política de mudança permanente”.
É desse sofrimento no trabalho que a combatividade e determinação dos trabalhadores grevistas que por meses tentam se enfrentar à reforma trabalhista em curso, se nutre. Em épocas de “paz social” normalmente isso expressa-se no aumento do consumo de substancias ilícitas, álcool e entorpecentes. E mais tragicamente com a crescente onda de suicídios que sacode muitíssimas das grandes empresas francesas há anos. Atualmente os trabalhadores começam se rebelar de forma cada vez mais consciente contra essa concepção ‘managerial’ do trabalho imposta durante o apogeu do neoliberalismo na França e no mundo.
Um final em aberto
A debilidade e a impopularidade do governo de Hollande e Valls (o primeiro ministro), que atinge níveis nunca vistos para uma presidência durante o regime da V república, favorece os grevistas. Mas surpreendente ainda é que apesar dos danos e incômodos gerados pela greve e a tentativa sem fim do governo, a central patronal (o MEDEF em francês) e a mídia contra os grevistas, acusados de tomar aos franceses como reféns ou chamados de “terroristas” ou “bandidos” em relação ao principal dirigente da CGT, a “opinião pública” continua se opondo fortemente à reforma trabalhista. Esse apoio chega a altíssimos níveis no eleitorado de esquerda.
Mas um dos limites da greve é que essa simpatia passiva com o movimento não se transforma num salto na adoção da medida por todos os setores assalariados. Esse limite em parte está ligado ao fato da direção da CGT, que tem se transformado na principal oposição política a Hollande, não levanta um programa que começando pela retirada da reforma trabalhista, se coloque também para si, a luta contra as condições de trabalho, a precarização e o desemprego, que permita desatar as energias e a combatividade dos setores mais precarizados do proletariado ou o empobrecimento como aconteceu como os jovens das ‘banlieues’ [periferias].
A direção da CGT se recusa a chamar uma luta desse tipo que poderia ter um caráter revolucionário, ao mesmo tempo que as estruturas sindicais mantem essencialmente o controle do movimento. A sua aposta como direção reformista de parte do movimento operário francês se baseia em explorar a debilidade conjuntural do governo, ajudada também pelo calendário, pois daqui a alguns dias começa a Eurocopa, só para complicar mais Hollande.
Esquerda Diário