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Forrozeiros em apuros ou a região que se autoesquece

Elba Ramalho e Jota Sobrinho montagemNo último São João, em meios aos festejos, A cantora paraibana Elba Ramalho deu uma entrevista na qual expôs seu ponto de vista que é o meu, desde que me entendo por gente. Disse ela que é de acordo que se contratem para animar as festas juninas apenas artistas de forró, uma vez que a festa de rodeios em Barretos, São Paulo, não contrata nenhum forrozeiro, mas o pessoal do segmento deles. Um outro artista, esse baiano, Jota Sobrinho, tem uma situação bem mais delicada, como ele não é conhecido na mesma proporção que Elba, o que não signifique que seja menos importante ou talentoso, os contratos para essa faixa de artistas escasseiam muito; geralmente só são lembrados no mês de junho e, mesmo assim, nos dias periféricos, não nos dias centrais dos festejos, 23 e 24, por exemplo. Outra questão que ele levanta e o cinismo de estados e prefeituras, que completam a má obra, dando calote em vários níveis.

Poderíamos enumerar os problemas que os artistas que não tem expressão nacional enfrentam nos seguintes termos: os administradores públicos põem dificuldades para contratá-los; quando os contratam é por preço muito inferior; sempre como atração secundária ou terciária; leva-se muito tempo para pagar o cachê, às vezes, seis meses e mais; e não raro é calote completo, num bom português, dão bolo e não pagam mesmo.

Assim, vemos nos festejos de São João, por todo o Nordeste, na grade da programação, dita cultural, a presença de todo tipo de artistas menos nordestinos (aliás, o Brasil atualmente está cheio de “artistas”, mas poucos cantores). Esse ano, por exemplo, o São João de Caruaru tinha contratado Cristiano Araújo; o quê é que tem a ver uma coisa com outra? Mesmo que ele tivesse muitos fãs ali, contratassem-no em outra data. Há alguns anos a mesma cidade havia contratado para o São João artistas como Fábio Jr., Ed Mota e Zé Ramalho, este último, apesar de ser nordestino, um excelente cantor e ter discos de forró gravados, não é uma boa pedida para o São João, porquanto essa não é a tônica de sua carreira.

Eu nem vou falar aqui nesta baboseira que há décadas empesteou o Nordeste e que muitos chamam, com nome pomposo, de forró estilizado ou forró eletrônico, mas alguns, fiéis à cultura nordestina, chamam-no de forró de plástico! E olhe que estão sendo muito gentis, porque isso nem chega perto de ser forró. Isso é alguma coisa que dizem ser música, eu tenho dúvidas de que realmente seja, e deram-lhe o nome de forró para poder se inserir no mercado, e assim tornou-se um meio de ganhar dinheiro, atendendo a uma clientela tão parva quanto eles que se metem a cantores. Apenas isso.

Então, trazer essa gente, digo artistas, para animar o São João, é igual preparar canjica, virado à paulista, vaca-atolada e caldo de ostra para festejar o Natal; que tal o bom gosto? É assim que fica o São João com esses artistas. Por acaso alguém já viu Flávio José, Santanna, Irah Caldera, Nádia Maia, Petrúcio Amorim, Jota Sobrinho, Elba Ramalho, Selma do Coco ou Lia de Itamaracá animando uma festa de rodeio? Ou uma congada mineira? Ou um baile funk e uma batalha de passinho carioca? Ou uma comemoração num CTG gaúcho? Ou uma festa do agronegócio em Goiás ou Mato Grosso? Então aprendamos com eles! Eles, sim, sabem valorizar suas culturas e muito eficientemente sabem praticar a reserva de marcado.

Em Barretos só tem vez o breganejo, e como todos, especialmente os nordestinos, acham que São Paulo é a medida de todas as coisas, se rendem a uma melíflua voz interpretando uma moda de paixão e frustração e nos últimos tempos de ostentação, pois os agroboys estão montados na grana e afinal de contas no Brasil quem manda é a grana! Sendo assim, música boa é aquela que os endinheirados curtem, mesmo que esses não saibam o que significa música, mas… vivemos numa plutocracia. E nesse tal regime o particular (o [mau] gosto da elite) é imposto (ao resto) como o universal.

Isso vale uma reflexão aprofundada. Porque motivo desvalorizamos os nossos artistas e supervalorizamos os de outras regiões, que fazem uma arte não raro de gosto muito duvidoso, ainda por cima se pavoneiam que são mais importante que os nordestinos? Qual o problema de que sofrem a maioria dos nordestinos, que sempre subestimados pela cultura agroboy do Brasil central, pela cultura estancieira-bovina do Sul, pela cultura caipira-bossa nova do eixo Rio-São Paulo, cheia de rs retroflexos e xs fricativos sibilantes, são cada vez mais caudatários-aduladores dessas culturas que em nada são mais ricas do que a nossa e se esticarmos o fio veremos que a cultura nordestina é mais densa do que outra qualquer no Brasil. Como dizia Franklin Távora, ainda no século XIX, “o Brasil é o Nordeste”.

Diante dessa faceta do nordestino, pergunto-me, às vezes, teriam os nordestinos uma versão regional do “complexo de vira-lata”, que disse Nelson Rodrigues dele sofrer o brasileiro? É bem possível que seja. A maioria dos nordestinos se acha sem valor, e, num movimento comum ao ser humano, corre para acoplar-se, ainda que mentalmente, àquilo ou àqueles que considera superiores. Vale refleti, porque os brasileiros como um todo, têm essa mesma atitude de lambe-botas, salvo raras exceções, para com os europeus ocidentais, com os estadunidenses e canadenses e um pouco com os japoneses. E isso, é bom que se frise, não resolve o nosso problema de baixa autoestima, pelo contrário o agudiza.

Por isso, se não conseguirmos nos autoanalisar e elevar nossa autoestima, vamos, às pressas, procurar bons psicólogos comprometidos com a identidade do Nordeste, para podermos descobrir e valorizar nós mesmos e nossa cultura. Pois todo aquele que não valoriza o que é e o que tem, está inexoravelmente condenado ao desaparecimento, senão como indivíduo, ao menos como ser de cultura; tornando-se sub-raça. Porque, nós nordestinos, com nossa abertura, que achamos ser um valor, além de tudo estamos sendo imbecis.

Redação DiárioPB

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