Entre Laissez-faire e lawfare
A coluna foge um pouco de seu tema-gerador essa semana para discutir algo que está na pauta política da sociedade brasileira, desde a última quarta-feira, 24, com o julgamento, em segunda instância, do ex-Presidente Lula da Silva, quando a 8ª turma recursal do TRF da 4ª Região prolatou sentença condenatória, ampliando a pena do réu para quase 13 anos de prisão.
Para tentar chegar aonde eu quero, vou me valer de dois termos/conceitos que aprendi em longos anos de bancos acadêmicos nas faculdades que freqüentei: o primeiro é “Laissez-faire”, que, segundo a Wikipédia, se trata de uma expressão escrita em francês que simboliza o liberalismo econômico, na versão mais pura de capitalismo de que o mercado deve funcionar livremente, sem interferência, apenas com regulamentos suficientes para proteger os direitos de propriedade (sic).
A outra expressão que também trago no título da coluna eu conheci mais recentemente: “Lawfare”, que segundo a mesma fonte, seria uma espécie de palavra-valise (formada por law, “lei”, e warfare, guerra). Num bom português, guerra jurídica! Basicamente, seria o emprego de manobras jurídico-legais como substituto de força armada, visando alcançar determinados objetivos de política externa ou de segurança nacional. Se refere a uma forma de guerra assimétrica, desigual, injusta, na qual a lei é usada como arma de ataque.
A expressão em língua francesa “laissez faire, laissez aller, laissez passer”, que significa literalmente “deixai fazer, deixai ir, deixai passar”, foi consagrada pelo Marquês de Argenson, por volta de 1751, que estava puto com aquilo que ele achava ser um excessivo controle do Estado sobre a livre (e sagrada) iniciativa privada mercantil, dos negócios e do capitalismo, que começava a tomar formas mais nítidas naquela época. Esta filosofia/doutrina tem início nos Estados Unidos e nos países da Europa durante o final do século XIX até o início do século XX.
Enquanto laissez faire expressa o sentimento de uma classe em não querer regras para seu progresso, lawfare parece ser uma estratégia daquela mesma classe (ou segmento social) para restringir os direitos de seus adversários de classe de poderem fazer, poderem ir e poderem passar. Lawfare é, então, um conjunto de instrumentos, criados pela própria burguesia, pelos donos do capital, pelos detentores dos maiores meios de produção, para tentar, no campo jurídico, barrar e inibir o avanço e o progresso da classe trabalhadora, do proletariado, dos explorados pelo capitalismo selvagem e desumano.
Além disso, parece ser um uso estratégico de processos judiciais visando criar impedimentos a adversários políticos, prática já bastante conhecida, nos países anglo-saxões, chamada de “SLAPP” (strategic lawsuit against public participation), traduzindo: uma ação judicial estratégica contra a participação pública. No atual contexto político brasileiro, estratégias de lawfare de segmentos anti-Esquerda, tem sido empregadas com o uso de instrumentos jurídicos para fins de perseguição política, destruição da imagem pública e inabilitação de um adversário político.
E o Porto ficou mais Alegre
Independentemente dos desdobramentos jurídicos e políticos saídos desse 24 de janeiro em Porto Alegre, há de se registrar algo de suma importância para a saúde da cidadania e da democracia brasileiras: as manifestações populares organizadas pelo PT e seus aliados, na capital gaúcha e em várias cidades do país, demonstraram que a disputa social por hegemonia política no Brasil está amadurecendo, e que as eleições de 2018 deverão ser realmente paradigmáticas.
Ficou patente que a mobilização não ocorrera apenas em torno da defesa de um cidadão que pode estar sendo cruelmente injustiçado. As mobilizações populares passam a ter um caráter da defesa dos direitos, do Estado Democrático de Direito, da ideia de República Popular, das vantagens de uma democracia saudável e igualitária.
O episódio jurídico confirmou tão somente o comprometimento das grandes Cortes com as intencionalidades equivocadas da “Casa Grande”. Confirma um rompimento preocupante do Poder Judiciário com sua missão precípua de manter o equilíbrio entre as forças disputantes da sociedade. Sem clareza desse seu papel fundador, o Sistema Judiciário perde sua lógica, seu Leitmotiv inspirador.
Bye, bye Rappa
Eu acompanho a banda de rock brasileiro O Rappa desde suas primeiras aparições no cenário da contemporânea música nacional, a partir de 1994. Gosto muito das primeiras canções do grupo, especialmente aquelas compostas pelo ex-baterista Marcelo Yuka. Mas confesso que perdi tesão pela antiga banda da Baixada Fluminense depois que o líder/letrista foi afastado, após ter sido baleado num episódio violento, ficando paraplégico em seguida.
Essa semana O Rappa voltou à João Pessoa para um “show de despedida” dentro da programação de um festival de música que ficou tão descaracterizado quanto o próprio O Rappa, o Fest Verão Paraíba. Abrindo para a dupla Henrique & Juliano, a banda carioca passou maus bocados com a impaciência do público, cuja maioria foi obrigada a comprar o ingresso-combo, tendo que se submeter a shows de estilos totalmente diferentes (e até antagônicos).
Falcão, o vocalista, que já divulgou que O Rappa vai dar um tempo depois do carnaval, se irritou com a galera do “breganejo” e desceu o sarrafo, pedindo respeito à diversidade musical. Muita gente foi às redes sociais para culpar o público, dizendo que pessoas “maleducadas” não deviam ir para eventos assim.
Eu comentei na internet e vou repetir aqui: o erro foi dO Rappa em se submeter a todo tipo de plateia apenas visando grana. Forçou uma audiência que está fora da estética musical e cultural que a banda tenta manter, diga-se de passagem, estética batida, vencida e enfadonha. Erro também dos promotores do evento em arriscarem a colocar no mesmo dia e mesmo palco atrações tão antagônicas.
A irritação do público é legítima, mas tem gente que acha até que é “legado” do PT, esse comportamento espraiado no animus da população. Se o povo está mais crítico, mais ativo, menos babaca, aí sim, pode ter sido influenciado por uma ideologia que o PT propaga, do inconformismo, dos direitos coletivos, e de que precisamos ter visão crítica sobre os produtos culturais que nos oferecem. Para O Rappa, apenas desejar uma excelente aposentadoria.
Dedico essa coluna aos colegas jornalistas Marcela Sitônio e Paulo Santos, pela oportunidade do debate respeitoso em redes sociais.
por Dalmo Oliveira