Efeito colateral
Maria Eduarda, 13 anos, foi baleada pelo menos cinco vezes enquanto brincava com algumas colegas na quadra da escola pública em que estudava, em Acari, na zona norte do Rio de Janeiro. Poderia ser apenas mais um caso na estatística tenebrosa das vítimas da, assim chamada, “bala perdida”, mas a estudante sofreu na realidade um fuzilamento.
O bangue-bangue entre policiais e bandidos defronte uma escola pública do Ensino Médio demonstra, inequivocamente, o despreparo do Estado em desenvolver políticas públicas de segurança comunitária. O Estado do Rio de Janeiro não consegue sequer proteger suas unidades educacionais. A invasão de bandidos armados a hospitais e estabelecimentos de saúde também é uma constante na cidade.
De fato, agora não importa discutir de onde partiram as balas. O que não se admite é a reincidência de ações policiais como essa que ceifou a vida de outra inocente. Sem qualquer critério, aleatória, apenas à caça pura e simples de bandidos. Sem que se considere o entorno das “praças de guerra”.
A banalização da violência. A população sempre exposta ao fogo-cruzado. A facilidade com que os criminosos acessam armas poderosas. São alguns fatores que tornaram a região metropolitana da capital fluminense um dos lugares mais perigosos do mundo para o cidadão civil.
O fuzilamento da menina Duda ocorre ainda por causa de um fator que a imprensa convencional pouco percebe, comenta e avalia: a expansão da indústria das armas. Ora, se a bandidagem possui fuzis tão modernos quanto aqueles de uso das forças policiais-militares, significa que o controle do armamento de uso restrito deixa muito a desejar.
Para os fabricantes de armamentos e munições a expansão do crime organizado pode ser um indutor inesgotável do consumo desse tipo de produtos. A família da estudante apenas lamenta a fatalidade e a imperícia da PM. Mas pode apontar como corresponsável pela morte da adolescente a indústria armamentista. Como analisar o impacto dessa atividade no custeio da saúde pública? Como a sensação permanente de insegurança mexe com a saúde mental, psíquica e cognitiva da população carioca??
Sem conferência
Tudo indica que esse ano o Governo Federal não vai conseguir realizar a quarta edição da Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CONAPIR), que foi agendada para 5 a 7 de novembro, em Brasília (DF). Até o tema já havia sido escolhido: “O Brasil na Década dos Afrodescendentes: reconhecimento, justiça e desenvolvimento”, mas, com as mudanças ocorridas nos últimos meses, nada garante que o evento vá ocorrer efetivamente.
A ser realizada pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), do Ministério da Justiça e Cidadania (MJC), e pelo Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR), a Conferência deverá seguir as determinações previstas no Estatuto da Igualdade Racial. Acontece que, no Governo Temer, a SEPPIR perdeu status de Ministério e agora encontra-se subordinada ao MJC, que, por sua vez, foi engendrado em condições de governança aquém da situação da Pasta que existia anteriormente.
Sequer o regimento foi definido pelo CNPIR, que tem, inclusive, encontrado dificuldades logísticas e políticas para realizar suas assembleias plenas. Parte das entidades representantes da sociedade civil organizada, que participavam do CNPIR antes da destituição da Presidenta Dilma, não reconhecem legitimidade na atual Gestão Federal comandada pelo ex-vice-Presidente.
Esse impasse gerou uma espécie de esvaziamento do CNPIR, oque poderá afetar decisivamente a conferência nacional de PIR. Há também, evidentemente, um desconforto e desinteresse de setores do Planalto em lidar com a temática do combate ao racismo e da promoção da igualdade racial. Pelos Estados, começa um movimento de promover as conferências de PIR mesmo que a etapa nacional não venha a ocorrer. Aguardemos!
Até que o impeachment nos separe
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é agora a bola da vez na fantástica novela que enreda um processo de impeachment questionável que vitimou o Governo Dilma II. A expectativa é que a Corte Eleitoral não se contamine com a virose ideológica chamada “seletividade política”.
Para o cidadão comum, ignorante das hermenêuticas específicas do universo jurídico, parece óbvio que, havendo impeachment, Presidente da República e seu Vice, serão destronados solidariamente, juntos e misturados. Para um bom entendedor fica muito evidente que a chapa Dilma/Temer é similar ao um Casamento Civil com comunhão TOTAL de bens, ou seja: o que sobra para um, sobra pro outro.
Dependendo do resultado final no TSE, o Brasil pode assumir de vez o ranking de nações republicanas onde pesos e medidas jurídicas podem ser variáveis e ajustáveis ao sabor das hegemonias ideológicas nos três poderes. Simplesmente sui generis!
por Dalmo Oliveira