GERAL

Câmara aprova marco legal do saneamento e abre caminho para a privatização da água

Marco Legal do Saneamento, com veto do presidente, pode representar prejuízos à população, avalia gestor

 

MP 868/18: Reeditada MP que privatiza o saneamento

O presidente Jair Bolsonaro sancionou no último dia 15 o chamado Novo Marco Legal do Saneamento Básico. O objetivo, segundo o governo federal, é qualificar a prestação dos serviços no setor, garantindo que até 2033, 99% da população brasileira tenham acesso à água potável e 90% ao tratamento e à coleta de esgoto. O novo marco torna obrigatória a abertura de licitação, envolvendo empresas públicas e privadas, facilita a privatização de estatais do setor e extingue o modelo atual de contrato entre municípios e empresas estaduais de água e esgoto, transformando os contratos em vigor em concessões com a empresa privada que vier a assumir a estatal.
O presidente da Companhia de Água e Esgoto da Paraíba (Cagepa), Marcus Vinícius Fernandes Neves, falou em entrevista exclusiva A União sobre essa nova lei e as implicações que essas mudanças podem representar
para o Estado. Segundo ele, municípios menores podem ser os mais prejudicados. Marcus Vinicius ainda abordou questões como plano de investimentos da Cagepa e situação do Estado com relação ao saneamento.

A entrevista

P – Qual a sua opinião sobre o Marco Legal do Saneamento, sancionado pelo presidente?
R – O marco legal foi fruto de uma discussão de quase três anos, culminando com o projeto de lei que, sancionado, virou a Lei 14.026. Essa lei foi construída dentro do possível; quando trabalhamos com democracia, trabalhamos dentro do que é possível. O acordo não era tão ruim, ele criava o processo de transição, permitia que as empresas tivessem um pouco mais de dois anos para se reorganizar, se readequar dentro desse processo. Mas, infelizmente, o governo, que participou desses acordos, inclusive com seu líder dentro do Senado e da Câmara, efetivamente quebrou o acordo com o veto, colocou em xeque não as empresas estaduais apenas, mas toda a estrutura de saneamento, criando uma ruptura e prejudicando, principalmente,
os pequenos municípios que vão ficar à mercê de estar junto aos grandes municípios, única e exclusivamente. E, uma vez, não tendo viabilidade, vão ter que fazer vezes ao saneamento e por conta própria fazer sua gestão, o que é praticamente impossível quando nós trabalhamos, por exemplo, na Paraíba, com quatro quintos do Estado dentro do Semiárido. Portanto, nesse momento, com o veto, a lei é muito ruim para todos nós.

P – Houve algum tipo de diálogo com as companhias? Qual o futuro da Cagepa nesse novo contexto?
R – Na realidade, sempre houve diálogo com as companhias, até porque a gente tem a Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), que conduz esse processo como um todo. Então, uma vez conduzido esse processo pela Aesbe, houve uma discussão por várias semanas. E, infelizmente, é como nós falamos, ou felizmente, trabalhamos numa democracia e a democracia é a arte do possível, é a conciliação de interesses, onde nesse momento, a maioria liberal privatista, tem grande coro. Nós encontramos o meio termo, mas o presidente quebrou esse acordo. E sobre o futuro da Cagepa, hoje trata-se de uma empresa superavitária que tem suas contas equilibradas e que precisa avançar muito, já que nós estamos distantes ainda daquilo que nós pretendemos como ideal e que nos é cobrado pelo governador João Azevêdo para que a gente preste o melhor serviço à população. É uma empresa que é essencial hoje para a Paraíba quando nós olhamos
o contexto do Estado como um todo. Você veja que nós chegamos a abastecer Campina Grande com 3%, 4% do açude de Boqueirão, mas não deixamos de atender as cidades do entorno. Talvez, se fosse uma empresa privada, só colocaria água para Campina Grande, então, é nesse contexto que a gente vê a Cagepa. Agora, é um desafio grande, principalmente com relação ao Artigo 16, se o veto não for derrubado, e nós contamos com os 12 deputados da Paraíba e os três senadores. Se não for derrubado, nós vamos judicializar porque é praticamente impossível e inconstitucional. Primeiro, que o saneamento mude de uma hora para outra sem ter
um processo de transição, sem ter a afirmação de quem tem a competência, e inconstitucional porque veda aquilo que a Constituição diz que é a livre associação entre os entes federados.

P – O que essa mudança pode significar? Será melhor para a população? As tarifas podem aumentar (ou baixar)?
R – Vamos pegar alguns exemplos. Se nós mantivermos o contexto de Estado dividindo em regiões e a Cagepa administrando essas regiões, obviamente, hoje, o governo federal está limitando os recursos que estão escassos para o saneamento. Na Paraíba, nós temos um governo do Estado equilibrado, que tem buscado recursos. Nós temos um projeto dentro do Banco Mundial. A companhia vai, sim, ter que fazer ajustes tarifários, obviamente por ser uma empresa maior e por atender o Estado todo. Nós passamos pelo período de seca e quem foi que arcou com esse prejuízo? A Companhia de Água e Esgoto da Paraíba. Diferente, por exemplo, da energia elétrica, que quando tem seca, que diminui a geração de energia elétrica, que entram os geradores, utiliza as bandeiras amarela, vermelha com o aumento da conta. Eu acho que uma empresa pública consegue ajustar as tarifas de forma mais real, mais transparente para fazer os investimentos necessários sem levar ao extremo do setor privado. Vamos hipoteticamente falar de uma cidade pequena, isolada, que não esteja com a Cagepa; ela vai ter meta até 2033 com uma empresa privada para fazer o saneamento. Vamos supor um município pequeno com sete ou oito mil habitantes, que nós estamos com um projeto de esgotamento sanitário que custa cerca de R$ 20 milhões. Se formos incluir isso na tarifa, que hoje é em torno de R$ 38 para pagar o custeio, que é deficitário neste município, para pagar o investimento de melhoria e fazer uma nova adutora, a tarifa vai para R$ 150. Foi um estudo hipotético que fizemos, uma pequena simulação para se pagar até 2033 esse investimento, levando em consideração que a arrecadação neste município é pouco mais de R$ 50 mil. Então, aqueles municípios que ficarem isolados, que ficarem fora da Cagepa, ou que obrigatoriamente forem
licitar, vão efetivamente gerar um problema muito maior para eles.

P – Em relação à Paraíba, qual a nossa situação no que diz respeito ao saneamento básico?
R – João Pessoa é a terceira capital do país e a primeira do Nordeste na edição 2020 do Ranking do Saneamento, organizado pelo Instituto Trata Brasil. A listagem foi feita com as cem maiores cidades do país com base nos dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), deixando João Pessoa atrás apenas de Curitiba e São Paulo. O atendimento universalizado de água e o incremento em coleta de esgoto, que passou de 66,86% para 79,30%, foi essencial nesse processo. A Cagepa também reduziu o percentual de desperdício da água, aumentou a oferta de serviços e a eficiência do atendimento junto à população. Só no índice de saneamento, por exemplo, nós avançamos com mais de 17 mil novas ligações de esgoto em João Pessoa. Já Campina Grande apresenta 100% de abastecimento de água e 94% de atendimento urbano de esgoto, está no 16º lugar no ranking nacional e é a 2ª entre todas as cidades do Nordeste e ainda detém o melhor índice de perdas no faturamento (9,45%) e na distribuição (26,67%) entre as
cidades dão Nordeste.

P – Por favor, discorra sobre as ações que estão sendo desenvolvidas pela Cagepa.
R – A companhia tem uma série de ações extremamente importantes e estruturantes ao longo de todo o Estado. Vamos começar no Sertão onde, por exemplo, nós temos um projeto que talvez não apareça para a população, mas é muito importante porque garante a sustentabilidade do sistema. Nós temos até 2022 o investimento de R$ 35 milhões para recuperar todos os reservatórios elevados apoiados de concreto do Estado da Paraíba. Os reservatórios, desde aquele de Conceição, passarão por reforma, até os grande reservatórios de Campina Grande. Isso impacta primeiro na garantia da qualidade da água; segundo, na garantia da perenidade por não interrupção do fornecimento decorrente de vazamentos, e terceiro, na garantia da manutenção adequada já que um reservatório que tem a capacidade estrutural limitada não enche todo, então, obviamente, não consegue fazer regularização de pressão na rede. Estamos levando a antiga estação de tratamento de Sousa para Capivara, uma estação de tratamento nova. Reformamos agora toda a estação de tratamento de Monteiro e estamos com um projeto para duplicá-la. Estamos comprando uma estação nova para São João do Cariri. Outro
processo muito importante que é a recuperação de todas as estações de tratamento de água e esgoto. Nós assinamos agora, só para a região de Espinharas, mais de R$ 10 milhões para tirar pés de galinha das cidades das regiões atendidas por Patos. Estamos avançando na recuperação de redes clandestinas no Brejo, regularizando e colocando água correta para a população, fazendo as extensões de rede nas cidades no Litoral, na Borborema e no Brejo. Um outro ponto é a recuperação das redes antigas das cidades. Nós temos em Campina Grande algumas ações e em João Pessoa, no Centro da cidade, queremos estender as adutoras onde tem os recorrentes vazamentos como a Pedro II e Rui Barbosa. É um projeto que a gente tem para 2021, que é o Plano de Recuperação de Perdas. Cajazeiras, uma nova adutora, as adutoras de Mamanguape e da Transparaíba, retomadas agora as licitações para concluí-las – pelo menos, a de Mamanguape – ainda em 2021, atendendo Itapororoca e Mamanguape.

P – Existem projetos a serem desenvolvidos pela Cagepa?
R – Tem um projeto dentro das cidades, que nós estamos começando tão logo termine a pandemia, que é a recuperação das ligações clandestinas de água que tanto impactam a população. Aquele cidadão de tem o ‘gato’, que usa a água de forma irregular, não está furtando água nossa, de Marcus Vinicius ou do governador do Estado, ele está onerando a conta daquele cidadão que paga em dia. Então, nós vamos entrar e notificar para que ele regularize, pague seus débitos e volte a consumir. Nós temos um projeto que esse talvez seja o mais importante para a região da grande João Pessoa que é a conclusão da Barragem mais adutora, que vai garantir água para mais 20 anos, ou seja até 2040,. E dentro desse projeto, nós temos uma adutora saindo de Gramame para atender a região que é a que mais cresce na grande João Pessoa que é a área de Tibiri, de Marco Moura e do Eitel Santiago, nós vamos conseguir tornar aquela região, que é umas das que mais cresce na cidade, dotada de água por mais 15 ou 20 anos.Então é uma novidade que a gente traz para Santa Rita, que faz parte da região metropolitana, é raté que pese uma decisão judicial o estado é titular do município e o município não pode sair por si só, apenas por uma questão financeira, porque nós estamos provando que o saneamento não tem cor partidária e sim um objetivo. Podemos citar também o esgoto em Guarabira, o novo projeto da adutora que vai ligar Lagoa do Matias à Belém, de Belém para Caiçara, Caiçara para Logradouro. Por exemplo, em Santa Inês onde a licitação foi autorizada pelo governador e provavelmente nos próximos dias ele dará a ordem de serviço, como um débito histórico no município de Mulungu. Perceba, uma comunidade, um distrito rural, mas a água levada pela Companhia de Água e Esgoto da Paraíba com recursos próprios da companhia, próprios do Governo do Estado, provando que o que entra de recurso aqui se reverte para população do estado da Paraíba.

Fonte: JORNAL A UNIÃO

Laura Luna
lauraragao@gmail.com

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