Caboclinho: agora, patrimônio cultural nacional

Revista ContinenteEra fim de tarde no Engenho Mussumbu, em Goiana – PE, e uma dezena de ônibus antigos, estacionados sobre o chão de terra batida, assinalava que os caboclinhos já haviam chegado. À contraluz do sol, revelavam-se as fantasias repletas de penas, nos porta-malas, no chão e, aos poucos, nos corpos dos brincantes, que, apressados, começavam a se preparar para a apresentação que logo começaria. Por cima de pequenos shorts, as meninas e os meninos, as mulheres e os homens de 14 tribos diferentes sobrepunham as tangas, amarravam as atacas nos pulsos e tornozelos e seguravam seus cocares nas mãos para encaixá-los na cabeça, esperando a hora do desfile em comemoração ao título de Patrimônio Cultural do Brasil, recebido em novembro de 2016. 

Nana, a essa hora, mantinha o foco e o empenho para que tudo se mantivesse dentro do mínimo de controle. Enquanto presidenta do Canindé do Recife, o caboclinho mais antigo em atividade e Patrimônio Vivo de Pernambuco, cabia-lhe dar conta de organizar os quase 50 brincantes, metade de crianças, que saíram da Bomba do Hemetério, na capital, pouco depois do almoço. Dois, quatro, seis, oito, contara aos pares, antes de embarcarem rumo a Goiana, cidade conhecida pela abundância dessa e de outras expressões populares. Depois da chegada, não havia mais conta possível. A meninada se espalhava no terreiro, corria com as fantasias pela metade, já ensaiando espontaneamente os passos que aprendera imitando os mais velhos muitas vezes, no mesmo momento em que aprendia a caminhar. O som agudo da gaita (flauta reta de metal, característica dos caboclinhos) já se ouvia por todo os cantos. Mesmo que as apresentações não tivessem começado, assim como os mais novos, os músicos, adultos, também já se juntavam em trios (ou “ternos”, como é mais comum chamar), iniciando a brincadeira com tarol (espécie de tambor) e caracaxá (chocalho também de metal).

– Nana, estava querendo conversar um pouco com você sobre o Canindé e o título de Patrimônio Cultural do Povo Brasileiro dado aos caboclinhos – digo, ao me aproximar.

Enfiada dentro do porta-malas do ônibus, retirando as indumentárias que completariam as fantasias de quatro curumins (os mais novos), a mulher de 40 e poucos anos, estatura baixa e cabelos pretos na altura dos ombros, bagunçados pelo excesso de tarefas, tenta começar a conversa, uma, duas, três vezes, sempre interrompida por alguém que o chamava, perguntava, demandava. Ao ver os meninos correndo para fora dos limites do engenho, desembesta-se atrás deles e deixa a entrevista pra depois. 

– Fala com Guedes, sugere, gritando, já afastada, enquanto corria chamando os meninos de volta para o seu ângulo de visão e cuidado.

Guedes ainda não tinha descido do ônibus. Tentava se concentrar na sombra abafada do coletivo, antes da tocada. Estava sentando em uma poltrona, com a sua gaita, companheira inseparável desde 2006, quando a tocou pela primeira vez. “Eu morava na Ilha do Maruim (Olinda) e sempre olhava admirado os caboclinhos passando e imaginava o dia em que eu entraria em contato com eles. Demorou muito, mas depois que eu fui lá no Canindé pela primeira vez, nunca mais deixei”, começa contando.  

Revista Continente com Rafaella Rafael

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