Basta de espetáculo e cinismo
Armou-se no país, há mais de três anos, um dramalhão, cujo epicentro se irradia de Curitiba sob o comando de um imperador judicante que enfeixa no seu Olimpo os poderes de carcereiro, julgador e executor de penas condenatórias que as aplica com a voracidade de um inquisidor do Santo Ofício. É a versão revivida de Torquemada, inquisidor-mor no século XVI, na Espanha, poderoso e calculista; ele lançava centenas de hereges nas fogueiras.
Atualmente, aqui no Brasil, o imperador da Lava Jato lança os acusados nos holofotes televisivos num devastador linchamento moral, e pari passu a este cenário de horror em que desesperados condenados clamam para delatar, uma mídia poderosa abafa qualquer reação contrária. A morte do reitor Cancellier, em Santa Catarina foi o ápice da tortura psicológica.
Quase semanalmente, no palco deste teatrão, novas peças são encenadas com base sobretudo em delações premiadas arrancadas de atormentados condenados. O que se espera dos depoimentos desses náufragos da insensatez e abatidos por distúrbios mentais? Elá vão eles arrastados à presença do poderoso dono de suas liberdades, tresloucados e sonâmbulos de um calvário,a expelir imaginárias revelações contra quem os seus algozes apontam.
Malatesta, grande jurista italiano, no seu livro “A lógica das provas”, é afrontado pelos inquisidores da Lava Jato de Curitiba, cuja teoria opressora abraçam e que se estende por todo o país, inclusive no Supremo Tribunal Federal, onde ministros adeptos da insensatez midiática, transvestem-se em atores deste novelão.
Paremos e reflitamos um pouco. Vivemos num país surrealista. Neste Brasil tudo tem a pequenez do inusitado. Sessões do STF são televisionadas; aliás, éo único país do mundo onde esta encenação publicitária ocorre. É contrastante. Cenáculo onde se requer serenidade e tranquilidade, o que se assiste é um desfile de vaidades sob holofotes televisivos.
O caso da prisão de Aécio Neves retrata bem este dramalhão rocambolesco. Um ministro do STF,Luiz Fux, inconsequentemente empunhando o seu bastão sentencioso, faz inversão hermenêutica de sobrepor lei ordinária a uma norma constitucional.Nesta quixotesca aventura ele atinge a independência do poder legislativo.A nação renega essas vaidades doentias amparadas sob a toga.
Em 1964, o ruído das botas militares perturbava a nação; hoje imperadores de toga se desandam contra o próprio estado democrático de direito. Neste melodrama shakespeariano há algo perturbador que se inocula nas mentes de milhões de brasileiros. É a destilação do ódio ideológico e político excretado por agentes do Judiciário e do Ministério Público.
Quando observamos prisioneiros aterrorizados por longas penas de prisões, homens com mais de 70 anos, arrastados à presença de seus algozes, maquiavelicamenteinstruídos, para a esperada “libertação” através da “delação premiada”, o que podemos concluir dessa desfigurada e ilegal prova? Rosários de imaginárias acusações. Lá estão eles, abatidos e alucinados quedam-se destroçados:Palocci, Funaro, Marcelo Odebrecht, Léo Pinheiro (ex-presidente da OAS), Cerveró e tantos outros.
Atenção! Dirijo-me aos procuradores do Ministério Público, do qual sou integrante, e faço esta sugestão: requeiram exames de sanidade mental nos encarcerados antes da tomada dos seus depoimentos. Reafirmo a necessidade da determinação de um prazo conclusivo para a Operação Lava Jato, com a convocação de mais juízes e procuradores.
Olhemos a caçada humana ao ex-presidente Lula: a mídia televisiva e o rumor das redes cibernéticas alimentadas por inquisidores e julgadores odientos procuram arrastá-lo ao encurralamento moral e político, no objetivo de impedir a sua candidatura à presidência da república. Contra esta marcha da insensatez a história responde nos exemplos de Getúlio Vargas, de Juscelino Kubitschek, de João Goulart, e em nível internacional,de Alfred Dreyfus. Os seus acusadores foram movidos pelo ódio.
Ontem como hoje, estamos a testemunhar o que está ocorrendo contra o ex-presidente Lula. Um brasileiro que ocupou a presidência da república por oito anos, em suas mãos passaram bilhões, que ele poderia ter subtraído alguns milhões e ter enviado a paraísos fiscais. Como iria se envolver nessa ridícula acusação de receber imóveis de pequeno valor na própria região onde reside? Cessem este ódio que apequena qualquer investigação!
Durante a Constituinte de 1986, eu atuei para fazer do Ministério Público um órgão forte e independente, muito acima das paixões ideológicas e políticas que dominam alguns de seus membros.
Agassiz Almeida é escritor, ativista dos direitos humanos, ex-deputado federal constituinte, promotor de justiça, professor da UFPB, e autor dos livros: “500 anos do povo brasileiro” (ed. Paz e terra), “A república das elites” (ed. Bertrand Brasil), “A ditadura dos generais” (ed. Bertrand Brasil), e “O Fenômeno humano” (ed.Contexto).