Aroma de cordel na Casa de José Américo
Quando janeiro chegar, espera-se que o vírus ganhe férias eternas e a vida volte a ter antigos sabores, cores e sons. E calor humano. Muitas acontecências serão programadas, ou já estão sendo engendradas. Na Fundação Casa de José Américo, o ativo presidente Fernando Moura ajeita a agenda, idealiza o ano que vem e seus movimentos de recomeço. Um dos primeiros eventos é a retomada da Feira dos Aromas, encontro de produtores da agricultura familiar com artistas populares e projetos comunitários, artesãos e poetas do cordel. No meio dessa feira, Moura informa que vai mandar armar as tendas dos folheteiros, os poetas de bancada para lançar folhetos do projeto “Como tem Zé na Paraíba”, homenagens rimadas aos personagens batizados por “José” da história da Paraíba, desde Zé Lins a Zé Siqueira, passando por Zé Gomes Filho (Jackson do Pandeiro), Zé da Luz, Zé Dumont e tantos “zés” da grande e diversificada cultura paraibana.
Estou na fila dos cordelistas, lançando biografia rimada com quatro “zés” de minha terra: Zé da Luz, Zé Especiá, Zé Mocó, e Zé Quarenta e Um. O primeiro é mestre da poesia matuta, o outro é o rei do Boi de Reis, Zé Mocó no papel de cacique dos caboclinhos e o último é expressão maior da resistência e persistência da cultura popular ligada ao coco de roda. Chegou a vez de o paraibano conhecer quatro personagens icônicas da mais pura expressão artística genuinamente paraibana, inseridas simbolicamente na literatura de cordel, reforçando esse diálogo que se pretende ajustar com a nova geração, fora do colóquio restrito das redes sociais.
Gosto de pensar que sou parente distante do cara que inventou a literatura de cordel. Chamava-se Ugulino Nunes da Costa, paraibano de Teixeira, nascido em 1842, o primeiro glosador do Brasil, precursor também da cantoria de repente com acompanhamento de viola. Também foi o primeiro a escrever seus versos em um caderno. Conhecido como Ugulino do Teixeira e Gulino do Sabugi, esse prenunciador da grande arte do cordel anotou seus melhores versos em um volumoso caderno que “foi queimado em incêndio na casa do cantador Germano da Lagoa, a quem Ugolino havia emprestado o precioso documentário das suas poesias”, conforme afirma Francisco das Chagas Batista no seu livro “Cantadores e poetas populares”. Da Serra do Teixeira e Cariri Ocidental na Paraíba, o repente ao som de viola se espraiou pelo sertão do Moxotó e na região do Pajeú de Pernambuco. Na Paraíba, a poesia de repente teve como berço três cidades: Teixeira, Princesa e Monteiro. Nesses pedaços da Paraíba e Pernambuco nasceram os mais importantes e geniais cantadores, a partir do lendário Ugolino do Sabugi.
No meu folheto “Os quatro mestres “Zé” da cultura popular em Itabaiana”, falando de Zé Especiá:
No folheto relicário
Da cultura popular
Mestres “Zé” de Itabaiana
Nós queremos destacar
Famosos e zé-ninguém
Suas vidas vou cantar
Destaco, pra começar,
Um homenzinho franzino
Zé Especiá do Boi
Com a alma de menino
Mestre do boi e reisado
Exímio chefe bovino.
Sobre o embolador Zé Quarenta e Um:
“Quarenta e um” no vocal
Improvisava uma loa
Com seu bigode vultoso
Era o capitão de proa
Daquela nau exultante
Que nos quilombos ecoa
O coco ainda ressoa
Mistura de índio e preto
“Quarenta e um”, zé cafuzo
Carregava um amuleto
Para afastar a mandinga
E se integrar no seu gueto.
As peripécias dos quatro “zés” deixo para apresentar tudo na Feira dos Aromas, quando janeiro chegar. O cordel se tornou para mim uma necessidade de exteriorização, atividade quase diária, meu jeito de relatar o mundo que me cerca e o que vai na cachola.