STF garante piso para enfermagem pública, mas não privada; mobilização deve seguir
Supremo determina pagamento aos servidores, mas prevê negociação no setor privado; jornada semanal também em debate
A enfermagem brasileira celebra uma conquista histórica, mas vai se manter mobilizada para garantia de que a vitória se estenda a toda a categoria. Com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu o pagamento do piso salarial para os profissionais do setor público, o foco, agora, é garantir a mesma conquista ao setor privado.
Já com a mais recente decisão do Supremo tomada, o Governo Federal fez o anúncio do pagamento do piso aos servidores públicos de maneira retroativa, tendo como base o mês de maio. Enquanto isso, trabalhadoras e trabalhadores do setor privado seguem em compasso de espera.
O STF determinou que deve haver negociação sindical coletiva para que os novos valores sejam pagos a quem trabalha em hospitais e entidades particulares. Vale lembrar que a legislação previu piso de R$ 4.750 para enfermeiros, R$ 3.325 para técnicos de enfermagem e R$ 2.375 para auxiliares e parteiras.
“Para o Supremo ficou uma interpretação de que [as categorias] são distintas, sendo que é a lei é igual para os dois setores. A gente precisa manter essa discussão para que o reconhecimento da lei seja unânime e igual para todos os setores, que são os setores que são importantes para a saúde da população brasileira”, disse ao Brasil de Fato o vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Saúde de Florianópolis e Região (SindSaúde), Nereu Espezim.
Luta antiga
A decisão do Supremo, confirmada no último dia 30, marca uma trajetória de luta iniciada ainda no final da década de 1980. A busca pela garantia do piso para a categoria foi alvo de diferentes projetos de lei no Congresso ao longo do tempo, mas somente a partir de 2020 ganhou maior fôlego entre os parlamentares, no contexto da pandemia.
Após indas e vindas no Congresso, a norma foi aprovada em maio de 2022, mas o tema se arrastou por muito mais tempo. O texto ficou por meses nas mãos do então presidente Jair Bolsonaro (PL), que o sancionou com vetos em agosto. Em setembro, liminar assinada pelo ministro do STF Luís Roberto Barroso suspendeu a validade da lei que determinava o pagamento do piso.
O tema ganhou força durante a disputa eleitoral. Em campanha, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva defendeu abertamente a medida. Só em dezembro, já com Lula como presidente eleito, foi aprovado o Projeto de Lei que viabilizou o pagamento do piso.
Em 2023, já com Lula no poder, a categoria manteve a mobilização em busca de garantia da entrada em vigor da lei, o que acontece parcialmente com a última decisão do Supremo. Projeto assinado pelo presidente da República garantiu crédito de R$ 7,3 bilhões para o Ministério da Saúde bancar os custos adicionais com a categoria no setor público. Falta, agora, que o setor privado conquiste seus direitos.
“A categoria da enfermagem continuara mobilizada até que de fato os valores salariais do serviço público e privado estejam no contracheque desses profissionais. Esse é o objetivo da mobilização, e ela se manterá até que todos possam receber em seus contracheques aquilo que é de seu merecimento, no cumprimento da lei”, complementou Espezim.
Pela jornada de 30 horas
Outro ponto decidido pelo Supremo que foi alvo de críticas da categoria foi a determinação de que o piso salarial é proporcional à carga de oito horas diárias, com 44 horas semanais de trabalho. Em caso de jornada inferior, o piso será reduzido.
Em conversa com o Brasil de Fato, a vice-presidenta da Federação Nacional dos Enfermeiros, Shirley Moraes, afirmou que isso é uma forma de desvirtuar o que prevê a lei, já que, na prática, quem trabalha menos horas por semana acabará recebendo abaixo do piso. “Então não é um piso, né?”, questionou. Ela afirmou ainda que esse tipo de jornada é “impraticável” para a categoria.
“Nós entendemos que inclusive, isso é uma interferência entre poderes, porque se a lei não atrela [o piso] a uma jornada de trabalho, não pode o Supremo atrelar a uma jornada. [O piso deve ser atrelado] à carga horária contratada. Se for 24 horas, é para 24. Se for para 30, é para 30. Se for para 36 horas, o contrato, então o piso vai ser para 36”, pontuou.
Profissionais do setor privado, muitas vezes com apoio de parlamentares, já acionaram a Justiça para garantir o pagamento do piso e o cumprimento de jornadas menores. Em outra luta de décadas, a categoria quer garantir, em lei, a jornada de no máximo 30 horas para todos os trabalhadores e trabalhadoras.
“A ONU [Organização das Nações Unidas], a OMS [Organização Mundial da Saúde], a OIT [Organização Internacional do Trabalho]; todas as organizações internacionais pontuam que os trabalhadores da saúde não devem trabalhar em jornadas acima de 30 horas semanais, porque além de serem exaustivas e causarem prejuízo ao próprio trabalhador, elas podem imputar algum prejuízo à segurança dos pacientes”, alertou.
DiárioPB com Brasil de Fato