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Governo Biden pode transformar Brasil em grande vilão internacional

Por Eduardo Maretti, na Rede Brasil AtualO início do governo de Joe Biden tem sido coerente com seus compromissos de campanha. Nesse sentido, a questão da imigração é talvez a mais simbólica. O democrata assinou na terça-feira (2) medidas para reunir famílias de imigrantes ilegais separadas de seus filhos pelas políticas do governo de Donald Trump. Mas será preciso uma força-tarefa para transpor dificuldades burocráticas, como a falta de documentos que permitam a rápida associação e reencontro entre os entes separados. Tal política de Trump, não sem razão, foi considerada por analistas como nazista. Chegou a ser tema de um episódio realista e comovente da aclamada série Law and Order SVU, em que se veem dezenas de crianças enjauladas em uma área de segurança, como animais.Em política externa, o democrata adota o tom do chamado multilateralismo, recolocando os Estados Unidos como interlocutores ativos no Acordo de Paris e em organismos como Nações Unidas e Organização Mundial da Saúde. Como noticiou o The New York Times na quinta-feira (4), Biden anunciou o fim do apoio do país à campanha militar da Arábia Saudita no Iêmen. Por outro lado, o tom com que o democrata se refere a Rússia e China permanece duro.

Obviamente, os Estados Unidos sob Biden vão continuar a defender o lema “America first“. Mas os democratas no mundo e, dentro do país, as “minorias” (negros, latinos, mulheres) comemoram o ressurgimento dos parâmetros “normais”. “É um alívio ver a volta do bom senso e voltar a ter esperança de um mundo sem as ‘baixarias’ para as quais Trump apelou e Bolsonaro apela”, diz Thomas Heye, do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Em relação à Venezuela, por exemplo, como mostra reportagem do Brasil de Fato, Biden começou a flexibilizar, cautelosamente, algumas sanções econômicas, passando a permitir transações comerciais por via marítima e aérea com o país vizinho. A medida é puramente pragmática, porque politicamente não está no horizonte o reconhecimento do presidente Nicolás Maduro.

Brasil de Bolsonaro: vilão ambiental

A questão ambiental – tema fundamental de sua campanha – é outro ponto em que Biden vai investir pesado, politicamente. E aí entra o Brasil. Por exemplo, sob a gestão Biden, os Estados Unidos projetam a adoção de políticas contra a importação de produtos brasileiros provenientes de desmatamento ilegal. A pressão contra a “política” ambiental do governo Bolsonaro e seu ministro Ricardo Salles não é, de resto, apenas norte-americana. “Há uma orquestração da campanha contra o grande vilão ambiental, que hoje é o Brasil”, observa Heye.

Outros líderes, como o presidente francês, Emmanuel Macron, e a chanceler alemã, Angela Merkel, não só fazem parte da “orquestração” contra o “vilão ambiental” como querem distância de Bolsonaro. “Seríamos eleitos o grande vilão internacional, o vilão favorito do mundo. Biden não está sozinho. Macron também tem torpedeado Bolsonaro. Merkel, aliás, se recusa a entrar no mesmo recinto em que Bolsonaro estiver. Ela não quer que alguém tenha nem a chance de fazer uma foto dela sequer perto de Bolsonaro”, constata o professor da UFF.

Claro, os líderes de França e Alemanha têm os olhos voltados para seu público interno e também para a União Europeia. Em setembro, ocorrem as eleições para a sucessão de Angela Merkel. Ela e Macron têm extremo cuidado para não assustar o crescente e importante eleitorado verde, cujos votos estão na mira de todos os políticos importantes do Velho Mundo. Qualquer associação com Bolsonaro e seu governo que queima a Amazônia e o Pantanal é uma desastrosa antipropaganda.

Se as coisas podem ficar mais complicadas para Bolsonaro ante a nova gestão da Casa Branca, as armas dos líderes mundiais contra o presidente brasileiro não parecem, num primeiro momento, tão contundentes quanto desejariam setores e cidadãos que prezam a democracia e querem o impeachment do presidente brasileiro. Por hipótese, “a arma mais tradicional para esse tipo de situação seriam sanções econômicas”, sugere Heye. Mas tal solução – por parte do Ocidente ou mesmo da China – é muito improvável, além de indesejável. “Sanções econômicas têm uma característica muito triste, porque afetam a parte mais carente da sociedade”, observa o analista.

Uma solução menos drástica seria, por exemplo, Biden subsidiar a produção de soja aos agricultores americanos, o que agradaria os eleitores tradicionais de Trump. Apesar das rusgas entre chineses e americanos, muitas vezes retórica para consumo interno, com um preço melhor os orientais poderiam substituir a commodity brasileira pela estadunidense. “Com isso, Biden minaria os redutos eleitorais do Trump, e de Bolsonaro também, e o agronegócio brasileiro ficaria muito contrariado com o presidente”, diz Heye.

A retórica bolsonarista

Mas o analista pondera que Bolsonaro também seria capaz de usar sua conhecida retórica farsesca e capitalizar situações adversas provocadas por Biden, colocando-se como vitima da comunidade internacional, invertendo o discurso de atrelamento cego aos Estados Unidos de Trump. “Com isso, poderia ainda roubar o discurso de parte da esquerda brasileira”. Esse discurso, obviamente, seria dirigido ao bolsonarismo “de raiz”, que ignora a crise e a tragédia da pandemia, que já matou mais de 230 mil brasileiros. “E, no momento, a vitória no Congresso, ao eleger os presidentes da Câmara e do Senado, o fortalece”, observa Heye.

Trump é passado

Segundo documento revelado pela BBC News Brasil esta semana, Biden e membros do alto escalão da Casa Branca receberam um caudaloso dossiê pedindo o “congelamento” de acordos, negociações e alianças políticas com o Brasil “enquanto Jair Bolsonaro estiver na Presidência”. O documento, segundo a reportagem, é endossado por mais de 100 acadêmicos de universidades como Harvard, Brown e Columbia. Entidades como Friends of the Earth, nos Estados Unidos, e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) também apoiam a ideia.

Entre os acordos feitos pelo presidente brasileiro e ex-presidente americano, está o que, na prática, cede a base de Alcântara aos EUA, segundo analistas um claro atentado à soberania nacional. “É muito grave”, avalia Heye. Bolsonaro, unilateralmente, isentou norte-americanos de pagarem taxas para entrar no Brasil, isenção que não beneficia os brasileiros, violando o princípio de reciprocidade diplomática, como observa o professor da UFF.

“Haveria espaço para conversar com Biden sobre questões como essas. Mas, convenhamos, com nosso atual chanceler, não dá para imaginar um diálogo muito frutífero com a diplomacia americana. Com a primeira ‘terraplanície’ que Ernesto Araújo soltar, acaba a conversa”, conclui Thomas Heye.

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Redação DiárioPB

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