Quando o desrespeito é liberdade de expressão
Uma das manias do ser humano é criar um conceito, mais ou menos positivo, à sombra do qual guarnece de proteção todas as suas ações e despropósitos. Os ditos bem pensantes do Ocidente, (falo do Ocidente por ser o recorte cultural da humanidade de que conheço um pouco), na verdade não são bem pensantes nem nada, pelos atos depreende-se que sequer pensam, munidos desses conceitos-amparos e muito poder político e econômico arvoram-se a dizer e escrever tudo que lhes vem à cachola.
A constituição brasileira (e imagino que inúmeras outras) diz que todos são livres para exprimir o que pensam desde que respondam pelo que afirmou. Isso está no direito legal. temos essa mania de só considerar o que é escrito, mas isso é algo que sempre fez parte do direito legítimo. Pois todos que sejam mais ou menos honestos concordam que o indivíduo deve arcar com as consequências do que diz e faz. Mas parece que o mundo, hoje em dia, esqueceu isso, desde que o prejudicado sejam os outros. Senão vejamos.
Nos últimos dias, a mídia não fala em outra coisa se não nos acontecimentos ocorridos em Paris classificados de terroristas. O que tem grandes implicações, a começar pela qualificação dos acontecimentos. A explosão de uma bomba pode ser sim um ato terrorista, assim como uma política de estado, ou uma prática social, uma palavra ou sentença performativa, um texto escrito, um desenho, bref, uma charge, tudo isso pode ser terrorista desde que cause pânico ou terrou em escala variada.
Outra implicação é o que significa Liberdade de expressão e seu escopo. Ora, liberdade, de expressão ou não, deve existir de par com responsabilidade. Ao contrário torna-se libertinagem. E é bom lembrar aos europeus, que se acham donos do mundo ao lado dos estadunidenses, que respeito é fundamental. Ninguém tem o direito de desrespeitar, ridicularizar, nem agredir outrem acobertado pela ideia de liberdade. Liberdade é uma realidade que leva apenas ao bem-estar e à felicidade, nunca produz a violência. Ademais este conceito de Liberdade de expressão que aí está e serve de cavalo de batalha para estes democratas-humanistas-caolhos é unilateral, ou seja, pode-se ser a favor dos representantes do ocidentalismo, mas nunca a favor dos tidos por terroristas. Isso é ser muito míope ou cínico, pois se liberdade de expressão for verbalizar o que se pensa, deve valer para A e não-A. ninguém deve ser perseguido por defender os que atiraram nos chargistas do jornaleco francês. Se se der direito a uns de se expressarem necessariamente tem de se dar aos outros, ou então a democracia vai pelo ralo.
Agora, caro leitor, gostaria de refletir sobre algo intrigante. Por que será que os ocidentais, os ditos civilizados, não conseguem viver sem ridicularizar alguém. Eles são incapazes de respeitar a ética e a crenças dos outros. Quem não se lembra de dois filmes anos 80? O agressivo A última tentação de cristo de Martin Scorsese e o ridículo Je vous Salue Marie de J.-L. Godard, deste senhor basta dizer que foi responsável por colocar desnuda nas telas de cinema ninguém menos que Brigitte Bardot, sua esposa à época. Então? Um homem capaz de mostra a própria esposa sem roupa é digo de louvor. Não? No primeiro destes filmes citados, Jesus renega a cruz e vive maritalmente com Madalena, com direito a cenas de sexo na tela. O segundo, é um filme medíocre mesmo, nele Maria (a mãe de Jesus, ou a Theotokos, como diziam os gregos) é uma jogadora de tênis que se envolve com um taxista, engravida, e no filme é apresentada sem roupa de vários ângulos. Como se não bastasse, não satisfeitos de agredir aos cristãos esses jornalistas deram de fazer o mesmo com os símbolos e divindades dos muçulmanos. E assim eles pegaram o bonde errado. Os antigos diziam que “Quem com muitas pedras bole/ alguma dá na cabeça” e também: “Quem caça, acha/ ou fortuna ou desgraça”. Foi o que aconteceu com os bons-hommes francês. Pois esse mesmo jornaleco, há certo tempo publicou uma charge agressiva contra os brasileiros. Tratava-se do então presidente Lula num leito de hospital, cujo soro que recebia era cachaça, com a seguinte legenda: Oh mon dieu! Je aime le hum! (Oh meu Deus! Como eu gosto de cachaça!), veja, caro leitor, este pasquim de quinta, chamado Charlie Hebdo, merece muito nosso respeito, não é?
Resta a questão: Porque esses jornalistas, cineastas, etc. não sabem viver sem agredir os as pessoas naquilo que lhe são mais caro, mais íntimo, mais sagrado? Ninguém tem o direito de tirar do outro aquilo que dá sentido a sua vida; se não o que resta?
Mas a França continua pousando de vítima humanística que abriu as portas aos de cultura muçulmana, oferecendo-lhe liberdade, igualdade e fraternidade e só recebeu incompreensão e barbárie. Verdadeiro? Não, falso. Ela invadiu vários lugares do mundo inclusive o Rio de Janeiro e o Maranhão. Muitos países do Oriente próximo e da África, especialmente o que se chama de Magrebe (Argélia, Tunísia e Marrocos). Nesses países, impôs sua cultura, destruindo a local, se apropriou dos bens locais, inclusive da terra, e oprimiu a não mais poder. Os fatos mais cruéis são os do Haiti, onde quando tiveram que sair os franceses destruíram completamente o país; e a guerra da Argélia, quando após a reação de independência da população locam iniciou-se encarniçada luta em que torturaram e assassinaram milhões de pessoas.
Visto que a França não é Santa nem de paz e tendo invadido outros países e praticado atrocidades sem motivos; além de ter ensinado o caminho aos que lhe vêm invadindo nas últimas décadas, ainda os provoca com preconceitos de várias formas, especialmente charges como ocorre ultimamente. Não estou aqui querendo dizer que os muçulmanos e especialmente os mais radicais sejam santos, claro que longe estão dessa realidade, mas o que se percebe é que a França iniciou esse processo, acendendo a pira e de lá para cá só acrescentou combustível e o incêndio está no auge. Os dois lados têm de ceder. Se uns têm de saber tolerar os outros têm de aprender a respeitar. Paz é a falta agressão. Só há liberdade onde há paz e só há paz onde há respeito. Portanto, a França que se autointitula La fille aînée de l’Église, (a filha mais velha da Igreja) deve fazer jus ao título e lembrar sempre o que afirma o Profeta Isaías “A paz é fruto da justiça” Is.32,17. Se não a paz que existirá será a Pax Romana, isto é a paz armada.