W. J. Solha discorre sobre a poesia de Fábio Mozart
Penso que Fábio Mozart pega ideias como quem caça borboletas: ágil, com extrema facilidade. Passou perto, encaçapa! Neste POEMAS MALDITOS EM PROSA, VERSO, GESTO E GRITO, com cerca de 300 poesias – a maioria de 3 versos – …encaçapei algumas (você escolheria outras).
Veja esta, surreal:
Era um anjo encouraçado
mais pesado que o ar
não decolou, o coitado!
Todo mundo adora o Dom Quixote do Cervantes. Mas ao ver tanta gente – como o velhote magro – fazendo das suas, o poeta põe no caderno de notas:
Sinceramente, lamento
guerra de cabeça oca
contra moinho de vento
Ou pior seria o contrário?
Alheio a tudo
viveu discreto
como um surdo-mudo
Nada lhe escapa. Mapa-múndi dá nisto:
No mar semântico
sou um homem Pacífico
às vezes Atlântico
Não sei se ele se refere a si próprio, crítico, enquanto comemora seus 50 anos de poesia, ou se se coloca em lugar de quem não tem isso para se orgulhar:
Perdi o bonde da história
cheguei atrasado e mal
mas fixei na memória:
o destino é pontual.
Por que escreveu tanto? Porque
Em sua passagem pela terra
aprendeu que o bom cabrito
é aquele que mais berra.
Transfere a própria urgência poética para um de seus ídolos:
Pancada de Zé Limeira:
“No dia que eu não cantar
leve meu couro pra feira”.
Mas o tempo… passa.
Dialética fome:
eu como o tempo
e o tempo me come.
Mas e o que já fez não basta?
Escrito no muro:
nostalgia é inestético.
passado não tem futuro
Selecionei estes, de seus 300 poemas, e ele se entristece:
Seria quase um rei
se todos me perguntassem
as respostas que sei
Mas a gente é para o que nasce. Claro.
Pobre liberdade
espremida entre a fome
e a necessidade.
Quem fica parado, porém, é poste. E, exatamente como fiz em meu 1/6 de Laranjas Mecânicas, Bananas de Dinamite, diz:
Preciso começar de novo
preparar a eclosão
dentro do ovo
“Preciso começar de novo” – ele disse. Por que esse “preciso?” Porque “A arte existe porque a vida não basta” – disse o Gullar. E ele:
A vida é só
cinquenta por cento
o resto eu invento.
Ô, um poema de duas linhas! Mas… genial:
Ela guiou minhas mãos
ao caminho das Índias
É muito bom saber que temos tanta gente brilhante escrevendo na Paraíba. E aí está: FÁBIO – Bach, Schönberg, Beethoven, Stravinsky, Siqueira? – MOZART.