Vivendo em off-line
Perdi os meus arquivos de um livro que acabei de preparar e não sei como recuperá-lo. Quatro anos de trabalho diário. É perfeitamente legítimo que eu fique agastado, irritadiço e meio que desesperado. Mesmo porque já assinei contrato com uma editora para publicar a obra. Meu precioso arquivo foi para algum lugar incerto e não sabido, como diz o chavão policial. Se existe alguma possibilidade de recuperar, aceito sugestões dos companheiros técnicos.
O computador requer do seu operador cuidados especiais. Tem que salvar a todo instante, não pode pressionar certas teclas misteriosas que parece estar no teclado apenas para ocultar os arquivos mais importantes. A traça antigamente comia nossos originais, a certidão de nascimento e as contas atrasadas. Mas consumia devagar, dava tempo para que o dono promovesse a restauração. No computador, o jogo é instantâneo. Num piscar de olhos, você fica sem os documentos.
Meu contato com o modernismo da escrita eletrônica sempre foi débil, embaraçado e inseguro. Sou dos que usam o computador mais como máquina de escrever, sem atinar para outras funções do bicho. Aqui e ali aprendo lentamente a usar um recurso. Trabalho sempre em regime de cooperação com alguém mais esperto nesta área, geralmente um dos filhotes. Mas acontecem acidentes como o de ontem, e fico aqui pensando em me retirar do mundo encantado dos blogs, retomar a velha Olivetti, os maços de papel e a caneta para anotações. Quando começava a adorar esse poder em minhas mãos, de sempre encontrar alguém disposto a ler os desarrazoados aqui postados, a máquina me dá essa rasteira.
Vivi transições, como todo mundo. Passei da tipografia manual com tipos móveis para a linotipo, e depois para o sistema off set. Fui telegrafista, depois operador de telex e trabalhei como datilógrafo. Encerrei a carreira para surfar na onda da globosfera, que já vai me viciando como uma droga calmante. A interatividade com o leitor é coisa de louco! Dá até uma certa neura.
Vou aproveitar o acidente para me livrar do vício da internet. Comecei a terapia. Sei que a qualidade de vida vai dar um salto. Em vez de ler os jornais na tela, vou sair e comprar meu jornal na banca do Lourenço, bater um papo com os desocupados da área, tomar um refresco no barzinho, ir ao banco para saber meu saldo e pagar as contas, se tiver grana. Isso depois da pandemia. Por enquanto, fico na moita. Se quiser me orientar na estrada, compro um mapa e esqueço o Google Maps. No lugar do Twitter, ainda estou pensando numa forma de substituição. Deixarei de escrever nos blogs, voltando a utilizar o papel, o lápis e, eventualmente, a velha Olivetti que ainda dá no couro. Para os fiéis leitores, peço os endereços físicos e mando tudo pelo correio tradicional. Sei que os compadres e comadres ficarão deslumbrados por voltar a ter o prazer de receber cartas. Para os blogueiros a quem leio diariamente, mandarei selos destinados à remessa das suas matérias regularmente, também por via postal tradicional.
Assim voltarei aos velhos e bons hábitos de cidadão livre do alucinógeno chamado internet. E de quebra me livro da frustração e sentimento de perda que sofri ontem, no eclipse total de minha produção de quatro anos. Viver em off-line será a mais nova terapia a correr na internet, vocês vão ver. Quando virem, me digam. Mas, por carta, faz favor.