Sem autonomia financeira, 85% das mulheres negras que sofreram violência doméstica convivem com seus agressores
Pesquisa revela que 66% das mulheres negras agredidas não têm renda suficiente para manter a si e seus dependentes
A ampla maioria (85%) das mulheres negras que sofreram violência doméstica ou familiar e não possui renda suficiente para se manter ainda convive com seus agressores dentro de casa. O número é quatro vezes superior à média das mulheres negras que declaram já terem sofrido algum tipo de agressão (21%), independentemente da renda. A Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher Negra feita pelo DataSenado e pela Nexus, em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência, aponta como as situações de vulnerabilidade econômica da mulher negra estão diretamente associadas a episódios de abuso. O estudo considerou como negras as mulheres autodeclaradas pretas ou pardas.
Divulgada no Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, a pesquisa foi aprofundada com um recorte específico para mulheres negras. O objetivo é entender as especificidades das experiências delas para que seja possível a formulação de políticas públicas que levem em conta suas realidades socioeconômicas e culturais, além de identificar barreiras nos acessos aos serviços de proteção.
Entre as mulheres negras que afirmaram não conseguir se sustentar, uma em cada três (32%) já sofreu algum tipo de agressão. Para 24%, o episódio de violência aconteceu nos últimos 12 meses. Quando perguntadas sobre situações específicas de violência descritas na pesquisa, o número de mulheres negras que sofreram agressões no último ano sobe para 31% – revelando que 7% das entrevistadas não consideraram, em um primeiro momento, aquilo que viveram como episódio de abuso doméstico.
Além da renda, a Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher Negra ressalta que a presença de filhos abaixo dos 18 anos também faz com que as mulheres não consigam sair de um contexto abusivo: 80% das mulheres negras que declararam ter sofrido violência doméstica e possuem filhos menores de idade continuam morando com o agressor.
“A pesquisa do DataSenado, em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência e a Nexus, revela a dura e persistente desigualdade econômica enfrentada por milhares de brasileiras negras. Essa vulnerabilidade financeira não apenas limita sua autonomia, mas também as mantém reféns a relacionamentos abusivos, onde a dependência econômica se torna mais uma ferramenta de controle e violência”, comenta Elga Lopes, Diretora da Secretaria de Transparência e do Instituto DataSenado.
Das mulheres negras que afirmaram ter sofrido violência familiar, 27% disseram não ter renda nenhuma e 39% não têm renda suficiente para se manter e manter seus dependentes, somando 66% de vítimas sem condições financeiras de se sustentar.
Nesse recorte de mulheres sem renda para se manter, apenas 30% buscaram algum tipo de assistência em saúde após um episódio grave de violência. A pesquisa DataSenado/Nexus mostra que esse percentual se mantém acima dos 60% em todos os níveis educacionais, evidenciando uma barreira na hora da busca ou no acesso à assistência.
Quando a procura é por medida protetiva, apenas 27% das mulheres negras que não têm renda individual suficiente para seu sustento solicitaram o recurso. Assim como no atendimento médico, em todos os níveis educacionais a maioria não buscou proteção. O percentual variou entre 65% e 78% independentemente do nível de escolaridade.
Na hora de denunciar a violência, o estudo mostrou que as mulheres com menor escolaridade tendem a procurar mais a Justiça do que as com maior escolaridade: 49% das mulheres negras não alfabetizadas e 44% das que possuem ensino fundamental incompleto foram até a delegacia. Esse percentual cai para 34% entre as vítimas que possuem ensino superior completo.
Realidade socioeconômica das mulheres negras – A população brasileira é formada por 45 milhões de mulheres negras (dados do IBGE de mulheres negras com 16 anos ou mais, pretas ou pardas) de 16 anos ou mais. Segundo o levantamento, 6% são analfabetas e 25% possuem o Ensino Fundamental incompleto. 7% possuem Ensino Fundamental completo, 9% Ensino Médio incompleto, 34% completaram o Ensino Médio, 5% têm ensino superior incompleto e 14% das pretas e pardas no Brasil concluíram o Ensino Superior.
A falta de ensino formal reflete diretamente na renda dessas mulheres: 66% vivem com até dois salários mínimos, embora metade delas (50%) esteja no mercado de trabalho. Também 66% das negras no Brasil afirmaram não ter renda (32%) ou ter renda insuficiente (34%) para se manter e manter as pessoas que dependem delas.
Apenas 33% das negras afirmaram conseguir se sustentar. Quando perguntada a mesma coisa para mulheres brancas, o percentual sobe para 42%. E também 28% das mulheres autodeclaradas brancas disseram não ter renda, e 29% ter renda individual insuficiente.
“A convivência com o agressor é uma realidade alarmante para muitas mulheres negras em situação de violência, agravada pela vulnerabilidade econômica que impede a ruptura do ciclo de abuso. Essa situação se torna ainda mais delicada para aquelas que são mães de filhos menores de 18 anos, cuja convivência sob o mesmo teto com o autor da violência expõe tanto elas quanto suas crianças a um risco contínuo, refletindo desigualdades estruturais que atravessam a vida dessas mulheres”, afirma Milene Tomoike, analista do Observatório da Mulher Contra a Violência.
Por que somente mulheres negras? – O Mapa Nacional da Violência de Gênero, lançado em novembro de 2023, reúne informações de diversas bases. Os dados usados revelaram um quadro alarmante em que mulheres negras são desproporcionalmente vitimadas pela violência. Em particular, dados extraídos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) – base alimentada por registros de doenças de notificação compulsória ao Sistema Único de Saúde (SUS) – mostram que, em 2022, 202.608 brasileiras sofreram algum tipo de violência, sendo que a maioria (55%) eram mulheres negras (112.162 brasileiras pretas e pardas).
Além disso, informações do Sistema Nacional de Segurança Pública (Sinesp) indicam que, entre as mulheres vítimas de violência sexual cujas ocorrências policiais incluíam o registro de cor/raça (8.062), 62% (5.024) eram pretas ou pardas.
Dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) evidenciam outro dado alarmante: entre as 3.373 mulheres assassinadas em 2022, cujas informações de raça e cor foram registradas, 67% eram negras (2.276). Diante disso, a Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher foi aprofundada com um recorte específico para mulheres negras a fim de tentar entender as particularidades das vivências e opiniões das mulheres negras em relação à violência de gênero.
Metodologia – Essa é a maior pesquisa de opinião sobre o tema feita no Brasil. Entre 21 de agosto a 25 de setembro de 2023, 13.977 brasileiras negras de 16 anos ou mais foram entrevistadas por telefone, em amostra representativa da opinião da população feminina negra brasileira. As amostras do DataSenado são totalmente probabilísticas. Nas entrevistas são feitas perguntas que permitem estimar a margem de erro para cada um dos resultados aqui divulgados, calculados com nível de confiança de 95%.
Dessa forma, não existe uma única margem de erro para toda a pesquisa. Não obstante, considerando todas as estimativas para tabelas simples, sem cruzamentos, tem-se que, em média, a margem de erro observada nas estimativas foi de 1,44%, com desvio padrão de 1,33%. As entrevistas foram distribuídas por todas as unidades da Federação.
Com Brasil 247