‘Seguirei em luta pelos direitos humanos’, afirma substituto de Jean Wyllys
É com um misto de tristeza e energia que o vereador carioca David Miranda (Psol) assumirá, no próximo dia 1º, a vaga do deputado federal Jean Wyllys (Psol-RJ), na Câmara dos Deputados, em Brasília (DF).
Jean, que renunciou ao mandato por conta das ameaças que vêm sofrendo, dará lugar a mais um militante das causas LGBTs, que promete endossar ainda a defesa dos direitos de mulheres, indígenas, negros, jovens, entre outros grupos tradicionalmente ofuscados no xadrez da política.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Miranda falou sobre as expectativas para o novo mandato e cravou: “Estou completamente pronto pra estar em Brasília, brigando pela nossa população com unhas e dentes”. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
Como você avalia a saída do Jean Wyllys?
É muito triste e problemático, pra um sistema democrático, um parlamentar como o Jean, em seu terceiro mandato, ter que sair do seu posto por ameaças de morte. Lembrando que 11 meses atrás a Marielle Franco, nossa companheira, foi assassinada aqui no Rio. Então, a gente ainda vê isso de uma forma muito grave, e a resposta do Jair Bolsonaro no Twitter, de uma forma infantil, demonstra como a nossa democracia ainda é muito frágil.
Você já disse publicamente que pretende dar sequência ao trabalho do Jean. Que pautas pretende encampar?
Todas as pautas que eu já venho colocando no meu trabalho aqui no Rio de janeiro como vereador, mas também as pautas LGBTs – eu sou LGBT e sou o primeiro vereador assumidamente LGBT da cidade do Rio de Janeiro. Vou continuar falando com a população. Sou um favelado, então, eu vou falar com certeza do genocídio da juventude negra, vou falar sobre feminicídio e misoginia, com certeza, porque acredito que isso é um trabalho de todo parlamentar. As pautas de direitos humanos, demarcação de terras indígenas, pauta animal, todo o trabalho que venho fazendo aqui na cidade do Rio de Janeiro..
Assim como Jean Wyllys foi o primeiro deputado assumidamente gay da Câmara, você foi o primeiro vereador que se colocou dessa forma na Câmara Municipal do Rio. O que você leva pro Congresso dessa primeira experiência que teve no Legislativo?
Eu levo uma boa bagagem. Eu entrei aqui no Rio de Janeiro com um governo completamente conservador, com um bispo [Marcelo Crivella, do PRB] como prefeito, e consegui ser um dos jovens parlamentares que mais passaram leis em menos de dois anos aqui no Rio. Entre elas, uma das maiores do município dos últimos 20 anos, que é a que coloca servidor, pensionista e aposentado como prioridade máxima na folha de pagamento do município, não deixando acontecer o que houve no estado, onde os servidores ficaram quatro, cinco meses sem receber.
Isso num momento em que o nosso estado é o de maior crise econômica do país. Conseguir passar um projeto desses numa Câmara completamente conservadora demonstra que tenho uma boa experiência de diálogo com os parlamentares. Passamos [a proposta] como uma lei orgânica, e eles não podem modificá-la nos próximos dez anos, então, eu carrego uma bagagem de saber dialogar com todas as esferas, sejam elas conservadoras ou não – na base do respeito, com certeza –, mas também no aprendizado que eu tenho, porque a maior parte dessa nova Câmara não sabe como utilizar as CPIs (Comissão Parlamentar de Inquérito), as comissões, os órgãos internacionais.
Quem foi ano passado junto com a Mônica Benício [viúva de Marielle Franco], em maio, pra acionar a OEA (Organização dos Estados Americanos) fui eu. Eu a chamei, a gente foi junto pra provocar a OEA a entrar na investigação do assassinato, e hoje a gente tem uma federalização disso, porque a gente sabe utilizar os órgãos. Então, essa nova configuração da Câmara tem muitos deputados federais que não conhecem a legislação, que vão bater cabeça. Claro que tem a galera corrupta do “toma lá, dá cá” do outro lado, mas também tem uma bancada bem progressista. Então, eu vou estar me juntando com a experiência desses dois anos, que pode parecer pouca, mas foi uma experiência muito forte, de todo dia estar ali junto com a população, passando leis, mas também tentando barrar as leis que o prefeito queria passar e que eram ruins pra cidade e ainda aprovando o que o Executivo mandava e era bom pra cidade.
Jean Wyllys talvez tenha sido o deputado mais discriminado do Congresso desta legislatura atual, justamente por se engajar nas pautas LGBTs. O que pretende fazer pra lidar com esse terreno hostil num ambiente que agora está sob um governo de extrema direita?
Na realidade, eu sofri LGBTfobia aqui na cidade do Rio de Janeiro de um dos vereadores, que agora é deputado federal. O Otoni de Paula (PSC-RJ) me fez perseguição, fez vários discursos sobre minha família. Mas eu tenho a experiência de saber utilizar as redes sociais, de saber lidar com esses tipos de figura, porque eles são personagens. O que eles gostam de fazer é crescer dentro de um debate em cima dessa ideologia.
Então, eu capto eles na política, no primeiro momento, desconstruindo o próprio discurso que eles fazem – nisso eu tenho tido experiência nos últimos dois anos –, e eu não fico caindo nessa. Tenho uma boa rede social. Hoje, minha plataforma no Facebook, apesar de ter 250 mil pessoas, é uma das que têm o maior alcance no país, assim como figura pública e como político.
Então, eu posso rebater isso na minha rede e posso combater esses caras num nível em que eu possa fazer a desconstrução. Porque eles vão só se manter num nível de falar de “mamadeira de piroca”, “kit gay” e “ideologia de gênero”. Então, eu já tive essa experiência no Rio de Janeiro, quando a gente teve que debater o Plano Municipal de Educação, do qual eles tiraram a palavra “gênero”. Eu fiz essa desconstrução e tenho bastante experiência pra poder dialogar com a sociedade civil e explicar essa situação. Eu acredito que eu, em Brasília, vou estar me colocando numa posição da mesma forma como me coloquei no Rio de Janeiro.
As polêmicas vão vir, eu vou saber respondê-las, não vou me esquivar, mas, ao mesmo tempo, não vou fazer esse tipo de polêmica crescer. Com certeza, vou defender as bandeiras LGBTs. Fui o parlamentar que mais defendeu a parada LGBT de Copacabana e todas as paradas. Quando o prefeito cortou a verba, corri atrás, e a gente conseguiu fazer as paradas acontecerem aqui no Rio de Janeiro. Não fui estigmatizado por causa disso, mas é preciso lembrar que nós, LGBTs, sempre somos estigmatizados, então, de uma forma ou de outra, eles vão tentar botar um estigma em mim.
Mas eu sou um cara completamente sério. Sou casado há quase 14 anos, tenho dois filhos, de 9 e 11 anos, que foram adotados, tenho 25 cachorros e uma vida inteira de trabalho pra demonstrar. Esses caras podem vir pra cima, podem tentar fazer discursinho, mas eu estou completamente pronto pra estar em Brasília, brigando pela nossa população com unhas e dentes e não caindo nas ladainhas de ficar fazendo ‘debatezinho’ com os parlamentares que só querem um vídeo pra internet. Meu interesse é barrar essas reformas e trabalhar pela população brasileira.
Depois de tudo isso que você colocou, qual é o sentimento com que assume o cargo no próximo dia 1º?
Primeiramente, com um pouco de tristeza. Jean sempre foi e sempre será uma grande referência nos movimentos de direitos humanos e, principalmente, o precursor do movimento LGBT, e isso me traz uma certa tristeza. Mas, ao mesmo tempo, acho que consigo fazer um bom trabalho em Brasília com o sentimento de que vou pra cima, pra fazer muita luta e com garra pra proteger as populações LGBT, indígena, a juventude negra, mulheres e desconstruir o discurso falacioso de novos deputados e senadores do presidente [Jair Bolsonaro]. Então, estou indo com um sentimento misto.
Brasil de Fato