Roger Waters faz show histórico no Maracanã e participa de ato em homenagem a Marielle Franco
Para o cantor, compositor e músico inglês Roger Waters, o show que apresentou na noite desta quarta-feira (24), no Maracanã, começou, na verdade, há cerca de seis meses. Em uma manhã cinza de Londres, ele olhou a edição daquele dia do jornal The Independent e soube da morte da vereadora Marielle Franco, assassinada em 14 de março de 2018.
“Ela acreditava em direitos humanos, assim como eu”, ele diria mais tarde, já próximo ao fim das quase três de apresentação da etapa carioca da turnês “Us + Them”. Antes disso, porém, o eterno baixista e principal compositor do Pink Floyd entregaria um show com 18 sucessos da carreira da banda inglesa e quatro canções de sua obra solo.
Com atraso incomum para um artista britânico – o show estava marcado para as 21h mas começou às 21h20, retardo causado pela chuva que cairia sem parar ao longo de toda a apresentação –, o espetáculo teve início com a colagem sonora de “Speak to me”, faixa inicial de “The dark side of the moon”, álbum de 1973 que é pedra fundamental do Rock e quarto disco mais vendido da história da música. O artista seguiria no mesmo álbum com “Breath”.
Logo em seguida, foi a vez da instrumental “One of theses days”, solitária incursão do repertório do show no álbum “Meddle”, de 1971, quando o Floyd estava no auge de sua fase progressiva.
Na sequência, mais três faixas de “The dark side of the moon”: o hino “Time”, “Breath (reprise)” e “The great gig in the sky”, esta última com as vocalizações feitas pelas cantoras Jess Wolfe e Holly Laessig – vocalistas do grupo indie americano Lucius, que acompanham Waters na turnê.
“Welcome to the machine” – comentário ácido do Pink Floyd sobre a desilução da banda com a indústria musical e segunda faixa do álbum “Wish you were here”, de 1975 – chegou em seguida. No telão, a animação original assinada pelo artista inglês Gerald Scarfe faita para a canção à época do lançamento garantia o pano de fundo.
A obra abriu caminho para um momento pouco menos amigável da apresentação – da mesma forma como já fizera nos shows anteriores desta turnê, Waters tocou três canções de seu álbum solo mais recente, “Is this the life we really want?”, de 2017: “Déjà vu”, “The last refugee” e “Picture that”.
Por serem novas e ainda pouco conhecidas, esse momento marcou o único instante do show no qual pareceu haver algum distanciamento entre público e artista. Ainda assim, a plateia ouviu as faixas com atenção respeitosa.
Mas não demorou muito para Waters voltar a pegar nas mãos das 47 mil pessoas que estavam no Maracanã. “Wish you were here” foi cantada em coro pela plateia, já familizarizada com a canção cuja letra é um lamento pelo afastamento e progessiva deterioração mental de Syd Barrett, membro fundador do Floyd.
Neste momento, o show enfim entrou no repertório de “The wall”, álbum de 1979 que é um dos maiores sucessos comerciais e artísticos da história da banda. O som de helicópeteros que marca o início de “The happiest days of our lives” tomou conta dos auto-falantes – cuja potência já havia impressionado a plateia durante a execução de “Welcome to the machine”.
Em seguida, um dos momentos mais emocionais da apresentação: “Another brick in the wall – Part 2”, de longe a canção mais popular do Floyd, foi apresentada com o coral de crianças da Associação Beneficente São Martinho. Todas usavam camisas com a palavra “Resist”. Elas ainda permaneceriam no palco para cantar “Another brick in the wall – Part 3”.
Diante de uma plateia eufórica, Waters anunciou o intervalo de 20 minutos que divide as duas partes do show.
O show do artista é, durante quase todo o tempo, um ato de manifestação política. Isso fica ainda mais claro na pausa, quando o telão apresenta uma série de mensagens. Os alvos são variados: misoginia, fascismo, militarização, antissemitismo e racismo estão entre eles.
O músico também apresenta, ainda por meio do telão, uma lista de políticos de vários países do mundo apontados por ele como fascistas – é neste momento que a frase “Ponto de vista político censurado” surge para cobrir o nome do candidato à Presidência da República pelo PSL, Jair Bolsonaro.
A pausa chegou ao fim quando, no telão, uma reprodução visual da hoje desativada Usina de Energia de Battersea – presente na capa do álbum “Animals”, do Pink Floyd, 1977 – irrompeu em direção ao céu nublado do Rio de Janeiro, com suas quatro chaminés gigantes. Sobre elas, pairava o porco que é marca registrada da obra.
Para marcar de forma clara a entrada no repertório de “Animals”, duas músicas do álbum foram tocadas em sequência: “Dogs”, com seus 17 minutos de duração, e “Pigs (Three different ones)”.
Na primeira, os integrantes da banda usaram máscaras de porcos para simular um jantar entre corruptos. Neste momento, o próprio Waters, também utilizando uma máscara suína, levantou dois cartazes – o primeiro dizia “O mundo é governado por porcos”. Já no segundo, a mensagem foi bem menos sutil”: “F…-se os porcos”.
Em “Pigs”, um gigantesco porco inflável – em mais uma referência direta a “Animals”, álbum livremente inspirado em “A revolução dos bichos”, de George Orwell – pairou sobre a plateia. No corpo do animal, uma frase: “Stay human” – “Continue humano”. É durante esta canção que Waters despeja toda sua crítica sobre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Uma série de ilustrações irônicas relativas ao chefe do executivo americano aparecem no telão.