COLUNAS

Ritmo da chuva

 

Por JOSÉ MÁRIO ESPÍNOLA (Médico, escritor e enxadrista)

Ah, os prazeres que natureza nos proporciona! São muitos, inesgotáveis. Por enquanto destacarei alguns: ver bichinhos brincando, passarinhos arengando, sentir o vento, passear num bosque, ver o nascer do sol, contemplar a lua cheia, o banho de rio, o banho de mar, o banho de chuva.

A chuva nos provoca sensações muito agradáveis, tanto para ver como para se molhar. Ela nos acompanha desde a infância. São memoráveis os banhos de chuva que tomávamos, geralmente contrariando ordens maternas.

Anchille-Etna Michallon

Em Misericórdia, então uma pequena cidade, a chuva era comemorada com muita alegria, pois fica no Alto Sertão paraibano, uma região muito seca e quente. Nós, meninos e rapazes, saíamos correndo pelas ruas da cidade, disputando as melhores biqueiras, a qualquer hora do dia ou de noite.

Aqui na nossa capital, décadas atrás, as Semanas Santas eram quase sempre chuvosas, pois geralmente coincidiam com o início do outono. Eram tardes escuras, muito boas para dormir, já que não tinha aula.

Um dia chuvoso faz João Pessoa ficar como eu gosto: com o friozinho de São Paulo, a luminosidade de filme nova-iorquino e fotografia de filme francês. Que delícia!

A chuva é talvez o fenômeno natural mais explorado nas artes, música e cinema. Ao longo da vida, vi muitos quadros que têm a chuva como tema. Germano Romero me apresentou a um dos melhores que já vi. Trata-se do quadro Rain, Steam and Speed – The Great West Railway, de Joseph William Turner, que pode ser visto na National Gallery, de Londres.

Rain, Steam and Speed – William Turner

Eu, pessoalmente, prefiro o quadro Os Guarda-chuvas, de Renoir, que se encontram também na National Galery, em Londres. Ele fazia parte de uma coleção que meu pai, Francisco Espínola, fez para mim, quando eu ainda era menino.

Muitos filmes americanos têm a chuva como tema, ou como coadjuvante destacada. O mais conhecido é Cantando na Chuva, de 1952, com Gene Kelly, dirigido por Stanley Donen e o próprio Kelly.

Enredo, atuações, câmera, fotografia e, principalmente, a direção, fazem deste um filme quase perfeito. Tem como ponto alto a dança de Gene Kelly em uma noite de chuva. Ele estava tão apaixonado pela personagem interpretada por Debbie Reinolds, Kathy, que sai pela cidade debaixo de chuva torrencial, saltitando nas poças d’água, de biqueira em biqueira.

O filme Um Homem, Uma Mulher, de 1966, dirigido por Claude Lelouch, marcou época, como um dos melhores filmes franceses de todos os tempos. Nele a chuva está presente quase todo o tempo. Claude Lelouch, numa entrevista, disse que o mau tempo era um dos atores do filme. A trilha sonora de Francis Lai está impecável, pontuando o drama que nos fascinou. Destaque para a música Samba da Bênção, de Vinicius de Moraes e Baden Powell. Uma das cenas mais intensas mostra o casal, interpretado por Jean Louis Trintignant e Anouk Aimée, dentro do carro, o pára brisa borrado, o limpador do parabrisa circulando, debaixo de uma chuva torrencial, ao som de L’Amour est Bien plus Fort que Nous, interpretada por Nicole Croisille e Pierre Barouh. Muito terno!

Outro filme francês que nos causou excelente impressão foi O Passageiro da Chuva, de 1970, dirigido por René Clement, tendo Charles Bronson em surpreendente papel. As músicas, assinadas por Francis Lai, são lindas. Assistimos no cinema do Hotel Tambaú.

Outros filmes também têm a chuva como intérprete, ou no mínimo coadjuvante destacada. É o caso de O Caçador de Andróides (Blade Runner-1982), dirigido por Ridley Scott, com Harrison Ford no papel principal, e Rutger Hauer roubando a cena. Nesse filme a chuva ininterrupta pontua o clima de tragédia, ao ponto de se fazer notar.

O destaque do crítico de cinema Andrés Von Dersauer, tendo a chuva como tema, é o filme Magnolia, de 1999, dirigido por Paul Thomas Anderson, tendo Tom Cruise no papel principal.

No enredo, a expressão raining cats and dogs, para nós chovendo cântaros; ou: chovendo canivetes, é distorcida pelo diretor para raining cats and frogs: em determinado momento acontece nada mais, nada menos que uma chuva… de sapos!

Exatamente: sapos de todas as espécies: rãs, pererecas, cururús, caem sobre a terra. É chocante, o efeito obtido.

Como vocês podem notar, eu gosto muito da chuva. Assim, sou bastante sensível para o que a arte e a música já criaram, tendo esse fenômeno da natureza como tema. Principalmente na música.

Principalmente nos dias de inverno a nostalgia baixa em mim, e sem perceber passo a relembrar as músicas que o clima ainda hoje me inspiram.

Em 1963 o meu irmão João Neto chegou a casa trazendo o último LP de Jorge Ben, o LP Samba Esquema. Dele, a música que mais me lembro é Chove, Chuva.

Logo após, a Jovem Guarda começou a mexer comigo. Por essa época foi lançada uma linda canção da, lançada por Demétrius: Ritmo de Chuva, de 1964, que eu ouvia tanto na radiola portátil que o disco quase furava.

Em 1969 foi inaugurada em cima da barreira do Cabo Branco a boate Casablanca. A primeira música tocada foi exatamente Que Maravilha:

Lá fora está chovendo Mas assim mesmo eu vou correndo Só prá ver o meu amor Ela vem toda de branco Toda molhada, linda e despenteada, que maravilha Que coisa linda é o meu amor…

Já nos anos 1970, namorando com Ilma, a minha futura esposa, nós dançamos muitas vezes no Jantar Dançante do Clube Cabo Branco ao som da música It Never Rains In Southern California (1973), performada por Albert Hammond.

Outra música que adoramos é Have you Ever Seen the Rain, de 1970, do Creedence Clearwater Revival. Esta linda melodia faz parte da trilha sonora de nossa vida a dois.

Para encerrar com final feliz, a música Pensando Nela, foi sucesso dos Golden Boys em 1967. Ela era a música mais tocada em nossas rádios em julho desse ano. E proporcionou uma feliz coincidência, para mim.

Em final de julho eu retornava da Semana Universitária de Cajazeiras, no ônibus da Viação Gaivota. Foram sete dias de Sodoma e Gomorra, na prazerosa companhia do primo Vicente de Paula Medeiros de Freitas e dos amigos Zé Aldeir Meirelles e Zé Máubio Rolim.

Ao descer na rodoviária, reconheci a minha nova vizinha, que estava no mesmo ônibus, e também estudava no Liceu. Ela vinha de Patos, sua cidade natal. Ainda não tínhamos sido apresentados. Estava chuviscando, então tomei a iniciativa e lhe ofereci carona no táxi, já que vínhamos para a mesma praça.

A grande (e estimulante!) coincidência foi o rádio de o táxi ter tocado justamente Pensando Nela:

Tarde fria, chuva fina, E ela a esperar Condução pra ir embora, Mas sem encontrar…”

A partir desse dia eu não fazia outra coisa, senão pensar nela. Mas, diferente da música, o nosso encontro teve um final feliz: em poucos dias estávamos namorando!

David Trindade Filho

Dedico este texto ao meu maior amigo, David Trindade Filho, que nos deixou há poucos dias. Foram 65 anos de uma grande amizade.

Além de exímio fotógrafo, ele era dotado de uma das melhores culturas musicais que já conheci. Com ele foi-se grande parte do meu conhecimento de música, pois quase diariamente trocávamos idéias.

Tenho a certeza de que ele está num lugar bem melhor do que este mundo.

Até logo, amigo.

DiárioPB com CARLOS ROMERO 

 

Redação DiárioPB

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