“Recuerdos” da repressão política
Quando a Sociedade Amigos da Rainha do Vale do Paraíba instituiu o Prêmio Leonilla Almeida, o clima ficou um pouco tenso pro meu lado, porque algumas figuras representantes de famílias tradicionais de Itabaiana não gostaram de lembrar quem foi essa mulher. Resquícios de um tempo em que o preconceito de classe e racial era a tônica em nossa sociedade.
Abdicando de sua condição social e sua herança cultural, Leonilla Almeida saiu de casa ainda novinha, na conservadora Itabaiana dos anos 30, para se casar com um homem negro, pobre e comunista, no Rio Grande do Norte. O velho Antonio Félix Cardoso, pai da jovem Leonilla, jamais perdoou a violação de um preceito da época: mulher é para ficar em casa e casar com quem a família consentir. Ela não só casou com um homem de cor, para desesperação da família, como assumiu sua ideologia socialista e “marchou na sua luta”, como diria muitos anos depois outra mulher combatente, Elizabeth Teixeira, esposa de Pedro Teixeira, mártir na luta dos trabalhadores na Paraíba.
Por ter feito parte do levante comunista de 1935, Leonilla Almeida e seu esposo, Epifânio, foram presos e torturados pelo governo de Getúlio Vargas. A revolta popular foi sufocada, muitos foram mortos. Centenas foram presos e supliciados nas masmorras. Entre essas pessoas, Leonilla e Epifânio. Foram para a Ilha Grande, onde conheceram o escritor alagoano Graciliano Ramos, preso também por seu envolvimento político. Graciliano nunca foi formalmente acusado. Passou meses na cadeia e lá começou a escrever seu romance “Memórias do cárcere”, onde descreve essa figura, Leonilla Almeida, símbolo da coragem da mulher paraibana.
Através do meu blog, os filhos de Leonilla e Epifânio, que moram no Rio de Janeiro, entraram em contato comigo para agradecer a homenagem feita à itabaianense de Campo Grande e colocando à minha disposição farto material a respeito das prisões e da vida tumultuada do casal. Era meu intento escrever um livro contando a saga de Leonilla e seu esposo, mas para tanto deveria ir às fontes no Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e outras cidades. Sem essas consultas e investigações “in loco”, o livro perderia muito do seu sentido. Faltou fôlego financeiro para a empreitada. Fiquei com os documentos, que penso em doar para a Associação Memória Viva, de Itabaiana. São fichas criminais, depoimentos, objetos de grande valor documental, papéis secretos das repartições policiais, relatórios de investigadores, tudo sobre Epifânio e Leonilla, inimigos do regime político de então.
Entre esses papéis, a certidão de óbito de Leonilla Octavia de Almeida, falecida aos 80 anos em 12 de abril de 1991, “tendo como causa do óbito parada cardio-respiratória, edema agudo no pulmão, insuficiência cardíaca, diabetes mellitis e insuficiência renal”. Foi sepultada no cemitério de Nova Iguaçu, deixando quatro filhos.
Leonilla Almeida jamais teve qualquer tipo de reconhecimento em sua terra natal. É como diz o professor Israel Elídio de Carvalho Filho: “tem tanto cabra safado, bêbado, corrupto e sem caráter dando nome a tantas ruas de Itabaiana, enquanto os nossos verdadeiros heróis são esquecidos”. Quanto a Leonilla, as humilhações e sofrimentos devidos à sua postura de combatente por um mundo mais justo e igualitário, isso está registrado na história, conforme os documentos que tenho em mãos. É verdade e dou fé.
Em tempo: deixem eu cuspir na cara desse bobão chamado Lobão, um sacana que, para aparecer, afirmou um dia que “os torturadores só arrancaram umas unhazinhas durante a ditadura militar”. Aliás, não vou cuspir não, que dona Iraci, minha mãe, me deu educação suficiente para não tripudiar sobre os vencidos pela dependência química, os frustrados, covardes e idiotas. E o cara é covarde porque atacou a memória das pessoas mortas e torturadas pelas ditaduras.
Toca do Leão
por Fábio Mozart