Quinta temporada da série “House of Cards” chega hoje à Netflix
“House of Cards” sempre foi uma série sobre poder. Sobre a busca por poder, e até onde as pessoas são capazes de ir – e o que estão dispostas a sacrificar – para consegui-lo. No caso da cruzada de Frank (Kevin Spacey) e Claire Underwood (Robin Wright), esse Santo Graal sempre foi representado pela Presidência – a Casa Branca. Mas a certa altura da quinta temporada, que estreia hoje à Netflix, um deles se dá conta de “que o poder não está em quem vive na Casa Branca, mas em quem a controla”.
É uma conclusão que reflete o “espírito dos tempos” e a descrença na política atual. Durante os 13 episódios, que o Magazine já viu, ninguém tem tempo para se preocupar com o bem do povo, e nenhuma legislação de real impacto social é aprovada ou articulada. A política se torna um “Jogos Vorazes” com fim em si mesmo, um teatro raso do ciclo do poder pelo poder, em que os personagens se encontram presos, e a corrupção é o roteiro vigente. “Bem-vindos à morte da era da razão. Não existe mais certo ou errado”, anuncia Frank.
À parte o fato de que qualquer semelhança com a realidade obviamente não é coincidência, o maior problema da temporada é que essa conclusão do primeiro parágrafo é o primeiro momento em que esse círculo vicioso parece avançar. E ela só chega quase no seu fim. Até lá, o espectador é cozinhado em banho-maria com um processo eleitoral interminável que envolve (respire fundo) supressão de votos, alto número de abstenção de eleitores, intervenção ilegal estrangeira, delações premiadas, ameaças à saúde pública, o presidente russo usando uma mistura de Assange com Snowden, vazamentos na Casa Branca, eleições indiretas, pós-verdades, o FBI se virando contra o presidente, ameaças de impeachment – enfim, todas essas coisas que só existem na ficção.
E o maior desafio que “House of Cards” enfrenta ao entrar em seu quinto ano é exatamente a dúvida se o público vai sentir vontade de desligar o noticiário e “escapar da realidade” com isso tudo. Especialmente porque o mundo chegou a um ponto em que a série perdeu grande parte de seu poder de chocar, sua originalidade, para parecer uma releitura quase tépida de eventos recentes.
Essa sensação de exaustão será ainda pior para o público dos EUA, devido à decisão dos roteiristas Frank Pugliese e Melissa James Gibson – assumindo o comando no lugar do criador Beau Willimon, que deixou a série em 2016 – de estender a eleição o máximo possível. Explorando os aspectos mais absurdos da bizarra legislação eleitoral norte-americana, o confronto entre Frank e o republicano Will Conway (Joel Kinnaman) só chega ao fim no nono episódio – após um deles começar a ficar tão cansado da disputa quanto o espectador. Isso faz com que grande parte da temporada pareça uma mera extensão, um apêndice, da anterior – até a trama paralela da investigação do jornalista Tom Hammerschmidt (Boris McGiver) é a mesma.
O arco, principal, porém, é a lenta transformação de Claire em Frank – representada, nada sutilmente, por um aplicativo fotográfico no início do segundo episódio. A dupla de protagonistas vai se tornando cada vez mais um organismo único, o que é ruim não só para ela, mas para a série. “House of Cards” sempre se alicerçou no contraste entre as personalidades do casal central – e, quanto mais implacável, mais como ele ela se torna, mais as nuances da personagem se perdem e mais monotônica e monótona a série se torna. Wright ainda é incumbida da trama menos verossímil – o romance de Claire com o insosso Tom Yates (Paul Sparks), que não possui nenhuma química e leva a protagonista a fazer algumas escolhas altamente questionáveis.
Com isso, e a performance repetitiva e histriônica de Spacey como ditador sociopata, o seriado fica cada vez mais dependente de seu plot. Porque os personagens viram instrumentos de uma nota só, figuras unidimensionais que só pensam em poder – o sintoma mais claro é que a série ainda não sabe o que fazer com a boa Neve Campbell, cuja Leann Harvey continua não fedendo nem cheirando.
Não por acaso, isso começa a mudar um pouco no meio da temporada com a chegada de Patricia Clarkson. Disparada a MVP deste ano, ela vive Jane Davis, uma espécie de lobbista com, nas palavras do poeta Michel Temer, “objetivos subterrâneos”. Mas ao contrário dos veteranos de “HoC”, ela é a única pessoa ali que consegue atuar como ser humano normal, com traços de caráter e comportamento que não se resumem àquele universo. “Eu não ameaço, eu só tento ser o mais clara possível”, ela se define.
A atriz encontra camadas em um texto árido e, ao lado do também novato Bruce Campbell, é fundamental nos quatro últimos episódios, que finalmente trazem novas histórias e um pouco do frescor e do ritmo das temporadas iniciais. Esse ato final, para quem chegar até lá, é a melhor parte da temporada e o momento mais ousado de Pugliese e Gibson, que tentam operar uma das maiores reviravoltas da série. Se você ainda não acha que a vida anda insana e sem sentido o bastante, pode até te chocar – e divertir.
O Tempo