O governo Bolsonaro conseguiu aprovar no na Câmara e no Senado a Medida Provisória 1031/2021, que autoriza a privatização da Eletrobras e suas empresas subsidiárias. Com isso, muito em breve, a conta de luz de todos os brasileiros sofrerá novos e grandes aumentos.
Esta é uma das consequências da privatização da maior empresa estatal de energia elétrica da América Latina. Atualmente, a União controla 62% do sistema Eletrobras, do qual fazem parte de empresas como Chesf, Eletronorte, Furnas, Eletrosul, Cepel, entre outras. Por meio dessas empresas, o Estado brasileiro é proprietário de 125 usinas com capacidade de 50 mil megawatts (91% hidráulica), 71 mil quilômetros de linhas de transmissão, 335 subestações de eletricidade, operadas por 12.500 trabalhadores e trabalhadoras de alta qualidade e produtividade. Hidrelétricas como Tucuruí, Belo Monte, Xingó, Sobradinho, Itaparica, Paulo Afonso e dezenas de outras, em pleno funcionamento, serão literalmente transferidas para o controle de uma minoria privilegiada da burguesia financeira.
Para justificar o injustificável, o governo Bolsonaro propaga que a privatização poderá diminuir em 7,36% a tarifa de energia. Uma falsidade completa.
Vejamos. Juntamente com a Lei da Privatização da Eletrobras, o governo conseguiu aprovar uma série de outras medidas que, juntas, aumentarão o custo da energia aos consumidores finais.
ma delas prevê que a Eletrobras passe a cobrar mais caro pela energia das suas usinas. Atualmente, cerca de 20 hidrelétricas (13.500 MW de potência), como as usinas da Chesf no rio São Francisco, estão vendendo sua energia ao preço de R$ 65 por 1.000 quilowatt/hora (R$ 65 por megawatt/hora), enquanto que as usinas privatizadas cobram acima de R$ 250 pela mesma quantidade de energia hidráulica. Isso mesmo, as estatais vendem mais barato. Com a privatização, esse modelo dará lugar ao regime de mercado via produtor independente.
Isso permitirá a descontratação e a recontratação da mesma energia, agora com preços de mercado (quatro vezes mais caro). Essa diferença será repassada integralmente em aumentos futuros nas contas de luz da população.
Em 2020, descontando a energia de Itaipu e da Eletronuclear, que não serão privatizadas no momento, a Eletrobrás conseguiu produzir 144 milhões de MWh (16.500 MW médios). Quase metade dessa energia é comercializada no chamado regime cotizado, ou seja, são 7.850 MW médios de energia vendidos à R$ 65,00/MWh, preço fixado até dezembro de 2042. Com essa fatia, a companhia obtém uma receita de 4,5 bilhões de reais por ano (7.850 MWh x 24 horas x 365 dias x R$ 65,00).
A privatização acabará com esse preço mais barato e autorizará a recontratação da energia ao preço de mercado, no chamado “Mercado de Curto Prazo” (MCP), cujo valor atual está acima de R$ 300,00/MWh. Desta forma, a receita com essa parcela de energia saltará para R$ 20,5 bilhões por ano. Aqui está o motivo central porque querem privatizar a companhia: o lucro líquido da Eletrobrás e dos acionistas que a comprarem aumentará em 16 bilhões de reais por ano, somente com essa fatia. Este valor será cobrado dos 75 milhões de consumidores residenciais brasileiros com aumentos na conta de luz, que vigorarão pelos próximos 30 anos, tempo de concessão previsto no processo de privatização (até 2051).
Além das vinte usinas amortizadas que pertencem à Eletrobrás, a hidrelétrica de Tucuruí, que gera 4.100 MW médios, também entraria na cota de energia mais barata após o fim de sua concessão em 2024, e poderia oferecer energia a baixo custo. Mas não! Com a privatização o preço seguirá alto para a nova concessão de mais 30 anos.
Negociatas
Não analisamos neste artigo os impactos das demais usinas da empresa. Mas certamente se fizermos um estudo detalhado dos contratos, também haverá aumento nos custos da energia e impactará a tarifa ainda mais.
O golpe não para por aí. Para conseguir aprovar a privatização da estatal no congresso nacional, o governo fez uma série de negociatas com os deputados, senadores e grupos empresariais do setor elétrico, acrescentando vários mecanismos de toma-lá-da-cá. E os custos de tudo isso, também será jogado nas tarifas em aumentos futuros.
Um destes esquemas é a obrigação de contratação por 20 anos de 8.000 MW de termelétricas. Para beneficiar os empresários privados, donos de usinas térmicas a gás natural, a bagaço-de-cana, resíduos de eucalipto, carvão e etc, a lei da privatização vai obrigar as distribuidoras de energia de cada estado a contratar essa energia como “reserva”. Além de ser a mais cara do país, ficarão recebendo mesmo com as usinas desligadas. Um absurdo completo. Já estabeleceram até o preço obrigatório de referência na contratação. Essa energia vai custar R$ 367,92/MWh, conforme documento do Ministério de Minas e Energia . Portanto, um pacotaço de R$ R$ 18 bilhões/ano em contrato de 20 anos de duração que vai ser cobrado na tarifa final.
Outro esquema aprovado é a contratação de 2.000 MW de Pequenas Centrais Hidrelétricas. Serão beneficiados empresários locais de cada estado que dominam essas usinas. O preço de referência será o do leilão A6/2019 que, atualizado, é próximo a R$ 315,00/MWh. Vale lembrar que a Eletrobrás vende energia hidráulica a R$ 65,00/MWh. Portanto, mais um pacotaço de R$ 2,5 bilhões por ano, que neste caso serão contratos de 30 anos de duração.
Custos adicionais
Também teremos que pagar mais 875 milhões por ano durante os próximos dez anos para financiar três projetos regionais de bancadas parlamentares do Nordeste, Norte e Sudeste. No norte cogita-se que parte do dinheiro poderá ser usado para subsidiar a navegação no trajeto de Porto Velho até o litoral, para o transporte de soja, madeira, boi e outras mercadorias de exportação. Projetos de caráter e benefício suspeito.
Até o chamado PROINFA será renovado. Um programa (2002-2022) que subsidiava os empresários donos de usinas de biomassa, eólicas e PCHs e pagava uma tarifa absurdamente cara, que em 2020 foi em média R$ 365,00/MWh e gastou 3,32 bilhões no ano. Decidiu-se renovar por mais 20 anos e, embora essas usinas já tenham sido pagas (amortizadas), seguirão como se fossem “investimentos novos”.
Somando apenas estes itens analisados, a privatização causará cerca de R$ 40 bilhões de custos adicionais anuais. Considerando que a receita total nacional do setor elétrico do ambiente de consumidores cativos é R$ 160 bilhões por ano (sem tributos), e serão estes que terão que suportar os reajustes, o tarifaço tenderá ser de aproximadamente 25% nas contas de luz.
Evidentemente, vários outros custos entrarão no bolo e terão grande peso nas contas de energia. O próprio valor da privatização, acrescido de juros e correções, poderá ser cobrado por meio de um mecanismo chamado de Retorno de Bonificação de Outorgas. Além disso, há o esvaziamento dos lagos, a dívida da chamada Conta Covid, entre outros.
É certo que nos próximos 5 anos tudo isso já estará totalmente embutido nos reajustes tarifários e atingirá o bolso do povo que trabalha. Também é possível que esses reajustes sejam postergados e acumulados para depois de 2022, ano da eleição presidencial. Para além do tarifaço, a privatização causará queda na qualidade da energia com aumento de apagões no futuro, desindustrialização com consequente aumento da falência de empresas e desemprego, privatização da água e a destruição da soberania energética. Sem controle, a energia elétrica do país ficará completamente dominada por empresas privadas internacionais associadas a grupos empresariais brasileiros, majoritariamente bancos e fundos especulativos.
Teremos que cobrar e responsabilizar cada deputado, cada senador e o governo Bolsonaro pelas consequências que causarão ao país e ao povo brasileiro com essa iniciativa. Não podemos aceitar a privatização da Eletrobrás. Por isso, é dever de todo povo lutar para derrotar o entreguismo, reverter por completo a privatização da Eletrobrás, derrotar o neofascismo, e realizar uma reforma radical no setor elétrico orientada pela soberania, distribuição da riqueza e controle popular.
Fonte: Rede Brasil Atual
Gilberto Cervinski é especialista em Energia e Sociedade no Capitalismo Contemporâneo pela UFRJ e mestre em Energia pela UFABC. Faz parte da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e da Plataforma Operária e Camponesa de Água e Energia.
Fabiola Latino Antezana é especialista em Energia e Sociedade no Capitalismo Contemporâneo pela UFRJ e Trabalhadora do Sistema Eletrobrás. É diretora do STIU-DF e integrante da Plataforma Operária e Camponesa de Água e Energia.