Primeiro remédio derivado da maconha é aprovado nos EUA
Pela primeira vez, os EUA aprovaram um medicamento derivado da maconha. A aprovação do Epidiolex, destinado a duas formas formas raras e severas de epilepsia —síndromes de Lennox-Gastaut e Dravet—foi anunciada nesta segunda (25) pela FDA, agência americana que regula alimentos e medicamentos.
Em abril, uma comissão consultiva da FDA havia recomendado unanimemente a aprovação do medicamento para dois dos tipos mais severos de epilepsia infantil. O medicamento é uma solução oral que contém cannabidiol, ou CBD, altamente purificado —um entre as dezenas de produtos químicos que a planta da maconha apresenta. A substância porta apenas traços residuais do THC, o elemento psicoativo da maconha, e não induz a euforia.
Plantação de maconha
Plantação de maconha no estado americano de Oregon – Flávio Sampaio/Folhapress
“Trata-se de um importante avanço médico. Mas, ao mesmo tempo, é importante salientar que não significa a aprovação da maconha ou de todos os seus componentes”, afirma, em comunicado, Scott Gottlieb, comissário da FDA.
Gottlieb diz que a maconha é classificada como parte das substâncias controladas da categoria 1, com riscos conhecidos. Desse modo, segundo ele, os estudos para demonstrar a segurança e eficácia do composto em tratamentos médicos devem seguir os mesmos padrões exigidos para outras drogas. “E não em um nível mais baixo, como sugerido por alguns”, diz.
O comissário afirma ainda que a FDA tem programas de incentivo aos desenvolvedores de drogas que querem investigar, a partir de testes clínicos devidamente controlados, a maconha e seus componentes.
PACIENTES
Aos três meses de idade, Marissa Parsons começou a sofrer convulsões frequentes, algumas com a duração de meia hora. Por quase duas décadas, seus pais, desesperados, tentaram remédio após remédio para tratar seu tipo raro de epilepsia infantil, mas os medicamentos, em geral, só produziam efeitos colaterais —pancreatite, urticária e sonolência extrema— e ela era hospitalizada com frequência. Por fim, conta sua mãe, Marissa deixou de sorrir.
Três anos atrás, Marissa, 21, começou a participar de um teste clínico no Nationwide Children’s Hospital, em Columbus, Ohio, nos EUA, de um medicamento líquido que combate convulsões e é produzido com base em um componente da maconha.
Marissa, que não pode falar e se movimenta em uma cadeira de rodas, rapidamente reduziu pela metade seu número de oito convulsões diárias. Hoje semanas inteiras se passam sem que ela sofra uma convulsão. Ela assiste aos jogos de beisebol e às apresentações da irmã na banda da escola. Em 2016, Marissa acompanhou a família em uma viagem ao monte Rushmore e ao Grand Canyon. E voltou a sorrir.
“Podemos funcionar como uma família típica”, diz a mãe de Marissa, Ronda Parsons. “Isso, e o sorriso dela, significam muito para mim.”
O medicamento que ajudou Marissa é o Epidiolex, a primeira droga derivada da maconha a ser aprovado pela FDA.
Para as pessoas que argumentam há muito tempo que a Cannabis oferece benefícios médicos, a aprovação pela FDA pode ser um marco, um reconhecimento de que a planta é uma rica fonte de compostos com atividade terapêutica potencial, diz Justin Gover, presidente-executivo da GW Pharmaceuticals, a empresa sediada em Londres que desenvolveu o medicamento. “Estamos dando os primeiros passos quanto ao que pode vir a ser uma ampla gama de remédios baseados em maconha.”
A FDA havia aprovado anteriormente remédios contendo versões sintéticas do THC para pacientes que estão recebendo quimioterapia e sofrem de náuseas e para outros usos, mas não aprovou qualquer remédio derivado da planta em si.
A maconha e seus componentes, incluindo o CBD, são substâncias controladas da categoria 1 —o que significa que seu uso é proibido por apresentarem alto potencial de abuso, valor médico nulo e implicações de segurança graves.
As síndromes de Lennox-Gastaut e Dravet —para as quais o medicamento foi aprovado—, causam convulsões descontroladas diariamente e colocam os pacientes em risco elevado de outras formas de incapacitação física e intelectual, e de morte prematura. As duas doenças afetam menos de 45 mil pessoas nos Estados Unidos, mas especialistas preveem que o Epidiolex será receitado também para outros tipos de epilepsia.
OUTRAS DOENÇAS
O medicamento, que continuaria a ser fabricado no Reino Unido, será comercializado nos Estados Unidos pela Greenwich Biosciences, a subsidiária americana da GW Pharmaceuticals. A empresa está testando outros tratamentos com CBD para glioblastoma e esquizofrenia.
Shlomo Shinnar, presidente da Sociedade Americana de Epilepsia e neurologista do Centro Médico Montefiore, em Nova York, diz que o remédio é uma adição muito valiosa às opções limitadas de tratamento que existem para a epilepsia infantil severa. Shinnar diz que receberia positivamente a aprovação de um remédio que tenha passado pela severa revisão de segurança e efetividade da FDA.
Há muitos pais que tratam seus filhos com fórmulas de CBD não regulamentadas, disponíveis em dispensários de maconha nos muitos estados americanos em que a venda desse tipo de produto já foi legalizada.
Heather Jackson, que vive em Colorado Springs, começou a ministrar ao seu filho Zaki um composto chamado Charlotte’s Web, uma forma não regulamentada de CBD, seis anos atrás. O filho dela tinha 12 anos na época e vinha sofrendo de convulsões descontroladas desde os seis meses de idade. Não muito depois de começar o tratamento com CBD, ela conta, as convulsões pararam, e não retornaram por quatro anos.
Agora, Jackson diz que ele sofre pequenas convulsões ocasionais. Ela cofundou a Realm of Caring Foundation, para prover assistência a pessoas que recorrem a terapia com CBD, e não planeja mudar para o Epidiolex no tratamento de seu filho.
Igor Grant, psiquiatra da Universidade da Califórnia em San Diego e diretor do Centro de Pesquisa de Cannabis Medicinal, diz que a aprovação da FDA ao Epidiolex poderá estimular empresas a investigar o CBD para outros propósitos.
Há indicações de que ele poderia ajudar no tratamento de ansiedade, síndrome de estresse pós-traumático e doenças inflamatórias como a Doença de Crohn, o que ainda é especulação, ele diz. No começo do ano que vem, o centro que ele dirige planeja lançar um estudo de quatro anos sobre terapias com CBD para o autismo.
De muitas maneiras, a história do Epidiolex começou com Sam Vogelstein, um jovem de Berkeley, Califórnia, que sofria até cem convulsões por dia. No final de 2012, Sam, com 11 anos à época, viajou com a mãe a Londres para experimentar o composto da GW Pharmaceuticals. Ele foi o primeiro paciente americano a usar o remédio.
O número de convulsões que ele sofria caiu e os apelos de outros médicos e pacientes convenceram a empresa a começar a fornecer o remédio, até então não licenciado nos Estados Unidos, nos termos do programa de “acesso expandido” da FDA. A companhia então lançou testes clínicos em diversos centros médicos. Os testes mostraram queda considerável no número de convulsões.
Em abril, Sam Vogelstein depôs diante do comitê consultivo da FDA, em apoio ao remédio. A audiência aplaudiu. Ele agora tem 17 anos, toma Epidiolex e um segundo remédio mais antigo e não sofre convulsões há 30 meses. Começará em breve o terceiro ano do segundo grau.
“Ele quer ser neurologista”, diz seu pai, Fred Vogelstein, colaborador da revista Wired. “Quer ajudar outras pessoas.”
Folha