Precisamos falar urgentemente sobre a saúde das mulheres negras
Alguns estudos revelam que a mulher negra possui o pior acesso à qualidade de atendimento em saúde
Mulheres negras precisam de atenção quando se fala em saúde e suas particularidades
Por Merllin de Souza* e Jonathan Vicente**
Então o mês de março chegou ao fim e com ele muitas informações colocando as mulheres como protagonistas de suas histórias, como guerreiras, como líderes, e por outro lado como sonhadoras, doces e empoderadas. Mas, quando se fala da saúde das mulheres? E a saúde das mulheres negras em seus mais diversos indicadores sociais de saúde?
O mês das mulheres começou com debates em torno de diversos aspectos relacionados ao seu bem-estar e saúde. Entre eles a prefeitura de São Paulo dedicou a semana para ações como consultas de enfermagem e médica com coleta de Papanicolau e solicitação de mamografia, realização de testes rápidos para sífilis, HIV e hepatite, além de triagem odontológica, vacinação/imunização contra o HPV, aconselhamento nutricional, atualização e cadastro no programa mãe paulistana, e também rodas de conversa sobre temas importantes no contexto da saúde, a exemplo de métodos contraceptivos; gravidez e puerpério, menopausa, saúde da população LGBTQIA+, saúde mental, pré-natal e ISTs.
Entretanto, no mês de março, não apenas no mês de novembro onde ‘celebra-se’ o mês da consciência negra, e tampouco em julho onde comemoramos o dia da mulher negra latino-americana e caribenha, precisamos falar e urgentemente sobre a saúde baseada em raça, pois mulheres negras precisam de atenção quando se fala em saúde e suas particularidades.
Alguns estudos revelam que a mulher negra possui o pior acesso à qualidade de atendimento em saúde, isso é reflexo de um racismo institucional e sistêmico presente na nossa sociedade. Precisamos analisar a saúde da mulher negra no contexto histórico brasileiro e isso requer reflexões de diversos fatores como os sociais que impactam a vida dessa população e os ambientais que dificultam os acessos.
Em 2009, através de uma Portaria 992 de 13 de maio, e chegaram a lançar a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra com um compromisso firmado pelo Ministério da Saúde do Brasil no combate a desigualdades no SUS e à promoção da saúde da população negra. Entre elas estava a importância de melhorarmos os dados da mortalidade materna, que é extremamente abrangente entre as mulheres negras.
Além da mortalidade infantil, diabetes e hipertensão (que são consideradas doenças crônicas não transmissíveis) que afetam fortemente as mulheres negras brasileiras, a anemia falciforme é muito comum entre elas, e essa condição apresenta maior risco de abortamento e complicações durante o parto.
Diante de diversas abordagens sobre a saúde da mulher, fica evidente que a mulher negra precisa de uma atenção e uma análise adequada. Nesse sentido, estudiosos devem evidenciar suas particularidades e os determinantes sociais e raciais que acometem tal população. Também precisamos destacar as organizações de mulheres negras pelo trabalho no enfrentamento ao racismo institucional na saúde, sendo um fator importante na qualidade do atendimento que é oferecido a essa população.
E como atuar nos diversos serviços de saúde que temos tanto no SUS quanto no sistema suplementar (conhecidos como privados)?
a) Utilizar a coleta de informações de autodeclaração racial que é prevista pelo Ministério da Saúde desde 2017 onde as pessoas devem se autodeclarar conforme o IBGE categoriza. Afinal, essas informações trazem consigo insights e uma construção de como poderá ser o plano terapêutico desta mulher;
b) Caso as condições em saúde estejam em fase em que a cura seja alcançada, importante usar a literacia em saúde. Ou seja, informar o máximo e em detalhes e de uma forma didática dos processos da doença e os objetivos terapêuticos, pois informação salva. Informação correta e em tempo hábil previne agravos inimagináveis na vida destas mulheres;
c) Escuta ativa ao recebê-las. Isto é, faz diferença quando existe a possibilidade de não ser interrompida ou encurtada o momento de fala quando as mulheres negras estão aos cuidados de profissionais de saúde. Esta pode ser a única chance que ela terá de falar tudo que sente, sem julgamentos e preconceitos;
d) Saúde é um direito de todas as mulheres. Então, proporcione a melhor experiência que elas poderão ter, principalmente quando esta mulher estiver na função de mãe, cuidadora, amiga ou simplesmente paciente / cliente / usuária;
e) Não cometa nenhum tipo de racismo. Isso mesmo: racismo enquanto pensar em usar pouca analgesia (recursos para diminuição da dor), deduzir que ela esteja compreendendo tudo o que está sendo falado por você, ou até mesmo, quando esta mulher apresentar quaisquer tipos de violações dos direitos humanos. Afinal, saúde é um direito fundamental para todas as cidadãs e cidadãos no país. E fazer distinção de como será atendida uma mulher negra, por causa da cor de sua pele, não cabe mais em nossa sociedade e tampouco para profissionais de saúde.
Neste ano já temos três ministérios de Estado que estão muito motivadas(os) com as ações e propostas de trabalhos: Ministério de Direitos Humanos e Cidadania, Ministério da Igualdade Racial e Ministério das Mulheres. Para as mulheres negras, essas ações as fazem sentir que são importantes para o Estado e que estão em vigilância, independente dos lugares que ocupam, para serem escutadas, cuidadas e vivas. Afinal, é dever de o Estado garantir a saúde de todas as mulheres e ações geram mudança e reconhecimento que somos importantes e existimos.
* Merllin de Souza é fisioterapeuta pela Universidade Federal do Amazonas, Mestra e Doutoranda pelo Programa de Ciências da Reabilitação da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Conselheira no Conselho de Pós-graduação da Universidade de São Paulo (ingredmerllin@usp.br)
** Jonathan Vicente é biomédico pela Universidade Anhembi Morumbi, Mestre em Saúde Coletiva pelo Programa de Pós Graduação em Saúde Coletiva do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (jvicente@alumni.usp.br)
Brasil de Fato