“Política cultural do Bolsonaro é anticultural”, afirma ex-secretário
Cumprindo uma promessa de campanha, o presidente da República Jair Bolsonaro confirmou a extinção do Ministério da Cultura (Minc) em seu governo. A pasta, que já vinha sofrendo um forte desprestígio desde 2016, ainda com Michel Temer, que também tentou extingui-la, agora se transformou em uma Secretaria Especial dentro da estrutura do Ministério da Cidadania, que abriga ainda os antigos ministérios do Esporte e do Desenvolvimento Social.
“O Brasil já teve diferentes concepções de políticas culturais nos governos anteriores, mas a concepção de política cultural do governo Bolsonaro é anti-cultural. É um desastre em relação a qualquer tipo de concepção cultural que o país já teve”, afirma João Brant, ex-secretário-executivo do Ministério da Cultura (MinC).
O novo ministro da Cidadania, Osmar Terra, que já disse que não entende nada de cultura, afirmou, ao tomar posse na semana passada, que os ministérios anteriores não teriam desaparecido, e que a estrutura básica foi mantida.
“Os ministérios (Cultura, Esporte e Desenvolvimento Social) se fundiram, não desapareceram. Estamos aqui para celebrar um ministério grande”, afirmou. “A fusão dos ministérios não vai tirar a força que cada ministério tem. As estruturas básicas estamos mantendo”, complementou.
Nem gerou economia, nem trouxe avanços
No caso do antigo Minc, agora Secretaria Especial da Cultura, a estrutura de quatro sub-secretarias e diretorias foi preservada, o que, na prática, não gerou economia aos cofres públicos do governo federal, como se prometia. “Se do ponto de vista da economia e da estrutura administrativa não mudou muita coisa, na prática, o que mudou foi a perda de credibilidade para o tema no governo”, critica João Brant.
A unificação de várias áreas administrativas em um único ministério também pode travar a operação das políticas culturais com os entes federados, como estados e municípios, prevê o ex-secretário. O desaparecimento da figura do ministro da Cultura, segundo Brant, é o mesmo que “desaparecer” com o tema no debate público.
Falta consolidar
Para a artista e gestora cultural Daniela Ribas, diretora de pesquisa do DATA SIM, da Semana Internacional da Música de São Paulo, é um erro extinguir o ministério sem que as políticas do setor estivessem consolidadas. “Nesse caso, você está rebaixando o estatuto institucional da pasta sem ter consolidado essas políticas. Se fôssemos um país desenvolvido, com 40 ou 50 anos de tradição em políticas culturais fortes, independente da estrutura administrativa, essa alteração poderia não ter feito tanta diferença, mas não temos isso. A sociedade ainda não compreende a cultura como parte de uma agenda política de desenvolvimento do país”, observa.
Para ela, o Brasil só passou a diversificar os mecanismos de política cultural nos últimos 16 anos. Antes disso, havia a Lei Rounet como única grande política cultural, que, apesar dos problemas, foi o que conseguiu garantir acesso à cultura e incentivar a produção artística no país.
Pontos de Cultura serviram de exemplo para o mundo
“A cultura tem que ser entendida como a fronteira intangível, a nacionalidade se define mais pela cultura do que pelo território, pelas fronteiras”, afirma o historiador Célio Turino, ex-secretário de Cidadania e Diversidade Cultural do Minc e um dos principais idealizadores do programa Cultura Viva, dos Pontos de Cultura, criado durante a gestão de Gilberto Gil à frente do ministério, no governo Lula.
Considerado um dos programas mais relevantes das últimas décadas, os Pontos de Cultura inspiraram políticas semelhantes em pelo menos outros sete países. No Brasil, foram implantados mais de 3,5 mil pontos, em 1,1 mil municípios, abrangendo uma população de 9 milhões de pessoas.
“Manter uma política como essa, nos casos dos pontos de cultura, em que a discussão da cultura vai num sentido mais amplo, é praticamente improvável em um governo com um viés ideológico tão anti-cultural quanto esse”, aponta Turino.
Na opinião de Daniela Ribas, a cultura tem uma função crucial no desenvolvimento econômico e humano da sociedade, e não apenas com o viés acessório com que o novo governo indica que tratará o tema.
“Nesse novo ministério, a cultura passa a ser vista apenas como uma ferramenta, para melhorar a desigualdade social, por exemplo, mas a cultura é muito mais do que isso. Ela é a identidade de um povo, contribui para o crescimento educacional. Se está subordinada a uma pasta que vê a cultura apenas como uma ferramenta para um fim específico, como assistência social, é uma perda grande para a sociedade”, conclui.
Brasil de Fato