INTERNACIONAL

O país africano que virou campo de disputa entre Rússia e Ocidente

Numa mostra da crescente hostilidade em relação ao Ocidente, desde o golpe militar que tomou o poder no Níger, um empresário local exibe com orgulho as cores da bandeira da Rússia, acreditando que seu país estará melhor com novos aliados.

Desde o golpe de Estado, na semana passada, os militares que tomaram o poder no Níger vêm trocando uma guerra de palavras com países ocidentais.

O presidente deposto, Mohamed Bazoum, era um grande aliado do Ocidente — ele dependia de apoio desses países na luta que travava com militantes islâmicos. Bazoum também mantinha fortes laços econômicos com países ocidentais, principalmente com a França.

Ex-colônia francesa, o Níger é o sétimo maior produtor mundial de urânio, elemento essencial para manter em atividade usinas nucleares. Um quarto da produção de urânio do país é exportado para países europeus — a maioria para a França.

No entanto, desde 26 de julho, quando os militares liderados pelo general Abdourahamane Tchiani derrubaram o presidente Bazoum, as cores da bandeira da Rússia vêm sendo vistas com frequência em ruas de cidades do país, numa forte indicação de que houve uma mudança na preferência por aliados internacionais.

No domingo (30/7), milhares de pessoas tomaram as ruas da capital, Niamey, numa manifestação de apoio aos militares. Muitos carregavam bandeiras da Rússia. Um grupo de manifestantes atacou a embaixada da França, em um claro protesto contra os antigos colonizadores.

Desde então, esse “movimento” tem se intensificado e espalhado por todo o país.

Um empresário da cidade de Zinder, na região central do país, a 800 quilômetros da capital, que não quis ser identificado com medo de sofrer represálias, disse à BBC que era a favor dos russos e que não gostava dos franceses. “Desde pequeno eu sou contra a França”, disse ele.

“Eles exploraram todas as riquezas do nosso país, retirando urânio, petróleo e ouro. Graças à França, a população mais pobre do Níger não é capaz de comer três vezes ao dia”, acrescenta.

Segundo ele, milhares participaram nas ruas de Zinder das manifestações de apoio aos militares.

Ele contou ter encomendado ao seu alfaiate um novo traje nas cores azul, branco e vermelho, as cores da bandeira da Rússia. Ele nega que tenha recebido dinheiro de grupos pró-Rússia.

O Níger tem uma população de 24,4 milhões de pessoas, sendo que 40% desse total vivem em situação de extrema pobreza, com renda inferior a US$ 2,15 (cerca de R$ 10) por dia.

Pessoas comemorando com bandeiras
Manifestações a favor da tomada militar do Níger contaram com bandeiras russas

O presidente deposto, Mahomed Bazoum, assumiu o governo do Níger em 2021, inaugurando a primeira transição democrática e pacífica do país desde a independência em 1960.

Mas seu governo foi alvo constante de militantes ligados ao Estado Islâmico e à al-Qaeda, que dominavam partes do deserto do Sahara e a região semiárida de Sahel.

Em anos recentes, com o país sob pressão desses grupos islâmicos, o Níger acabou se tornando um campo de batalha em que tropas de dois países vizinhos, Mali e Burkina Faso (igualmente ex-colônias francesas com forte presença política e econômica da França), conseguiram derrotar as milícias e tomaram o poder no Níger, alegando que isso ajudaria a população local a combater os jihadistas.

Juntamente com o Níger, esses dois países contavam anteriormente com a ajuda de um grande contingente de tropas francesas. No entanto, com a continuação de ataques de grupos islâmicos, cresceu um sentimento anti-França, com grande parte da população desses três países passando a acusar o governo francês de abandoná-los, de não fazer o suficiente para protegê-los.

Ao assumir o poder no Mali, a junta militar acolheu os mercenários do Grupo Wagner que forçaram a saída das tropas francesas e em seguida expulsaram milhares de voluntários da ONU que estavam no país em missão de paz.

Apesar dos ataques de militantes islâmicos continuarem ocorrendo no Mali, a junta militar que tomou o poder em Burkina Faso também se aproximou da Rússia e igualmente expulsou centenas de militares franceses daquele país.

No Níger, durante o governo do presidente Bazoum, eram reprimidas com frequência manifestações de protesto contra a França.

Entretanto, em meados de 2022, quando o então presidente Bazoum aprovou o retorno ao país de tropas francesas que tinham sido expulsas do Mali, vários grupos da sociedade civil nigerina intensificaram protestos contra a França.

Um desses grupos mais importantes é o movimento M62, formado em agosto de 2022 por uma coalizão de ativistas, sindicatos e outros grupos da sociedade civil. Eles organizaram protestos contra a alta de preços, contra o governo e a presença de tropas francesas no Níger.

Moto com bandeiras
As cores russas se tornaram populares nas ruas do Níger

O governo proibiu e reprimiu com violência várias dessas manifestações. Essa ação das autoridades culminou com a prisão, em abril de 2023, do líder Abdoulaye Seydou por promover “distúrbios da ordem pública.”

Agora, após a derrubada do presidente Bazoum, o movimento M62 vem ganhando nova força.

Numa ação incomum, membros do M62 são citados na TV estatal mobilizando apoio para a junta militar ao mesmo tempo em que denunciam sanções impostas por líderes de países da África Ocidental contra o golpe de Estado.

Não está claro, porém, se o M62 é ligado à junta conhecida como Conselho Nacional de Segurança ou se mantém aliança direta com a Rússia.

Mas não há dúvida em relação à organização dos protestos. No último domingo (30/07), os atos foram convocados pelo M62 com participação de outros grupos menores como o Comitê de Coordenação da Luta Democrática (CCLD), Bukata e também o Ação Jovem para o Níger.

Na cidade de Zinder, o empresário pró-Rússia que falou com a BBC não tem dúvida sobre como Moscou poderá ajudar seu país.

“Eu quero que a Rússia nos ajude garantindo segurança e enviando alimentos”, disse ele. “A Rússia também pode fornecer tecnologia para melhorar nossa agricultura”, acrescentou.

Mas Moutaka, um agricultor que também mora na região de Zinder, rejeita esse argumento. Ele acredita que o golpe não foi uma coisa boa para todos.

“Não sou a favor da chegada dos russos a nosso país, pois eles também são europeus e nenhum deles quer nos ajudar”, disse. “Eu amo meu país e espero que possamos viver em paz”, finalizou.

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