TOCA DO LEÃO

O mundo inventivo do poeta Sérgio Piaba

Sérgio Ricardo dos Santos Silva, que a arraia-miúda chama de Sérgio Piaba, é webmaster e serigrafista, além de fotógrafo e produtor de conteúdos para internet. Piaba é, sobretudo, um poeta visual. Imagens e símbolos nas camisas confeccionadas por ele, as artes para capas de livros e folhetos, os elementos visuais montados em Photoshop constituem a obra de Sérgio, em plataformas tão diversas como as canecas, as camisas, as capas de livros, os cartazes e imagens criadas para a Internet. Formamos uma parceria, onde eu forneço os elementos verbais para compor seus poemas visuais, com os símbolos resgatados de sua mente anarquista, avesso às hierarquias. Porque todo poeta precisa se opor à dominação, seja ela de que forma for. Não vem de garfo que hoje só tem sopa no jantar, determina Sérgio Piaba, esse paraibano que cresceu nas estações de trem do Rio de Janeiro, vendendo balas e correndo do comissário de menor. Balas, no caso, entenda-se por confeitos, docinhos, brigadeiros, chicletes e “nego bom”. As balas recheadas de racismo que se perdem e se acham na cabeça do lascado suburbano, esse tiroteio da exclusão ele nunca curtiu. Seu olhar atencioso e decente para os chamados extratos sociais subalternos o faz um homem de esquerda.

Conheci Sérgio Piaba na mesa do boteco, em reunião de diretoria do bloco carnavalesco e etílico As Cuecas, onde fui aceito como sócio benemérito desse grêmio recreativo caricato da cueca 100% algodão colorido, porque a galera tem alergia às cuecas de elastano, ou laycra, e também pelo nobre e cobiçoso motivo de que o principal acionista do bloco é nosso compadre Dalmo Oliveira, entusiasta das experiências inovadoras da Embrapa no melhoramento genético das cores do nosso algodão. Esse bloco, elevadamente machista, até hoje tem pouquíssimas mulheres em suas fileiras foliãs. Como diria Marilyn Monroe, “tragam-me as calcinhas de seda pois não sou mulher de usar as de algodão”. A feminista Madame Preciosa impetrou recurso em processo para mexer no nome do bloco, que passaria a se chamar As Cuecas e as Calcinhas, apelação derrotada pelos tradicionalistas. Mesmo porque o bloco existe em louvor ao compositor Livardo Alves, autor da marchinha famosa, integrante da lista das vinte melhores marchinhas de carnaval de todos os tempos.

Sérgio não se define, porém, só como poeta visual. Ele também esbanja criatividade na poesia sonora, como editor de programas de rádio onde exibe sua performance na estruturação dos sons. Comigo, que sou um locutor correndo atrás de variantes para evitar usar só a palavra como mero veículo de significados, Sérgio faz parceria na composição de textos fonéticos e sons diversos para montagem de imagens acústicas nos programas experimentais em rádios alternativas como a Rádio DiarioPB. Pense num sonoplasta inovador e fecundo! Desses que só se criam em rádios comunitárias e alternativas, sem compromisso com público ouvinte nem com anunciante. Em torno dos processos de som em um programa de rádio, ninguém amarra a chuteira nem veste a camisa de Sérgio Piaba Camisas, ele que também vende camisas personalizadas com suas artes arretadas e suas cores de Portinari de Bayeux. De sua arte emana o cheiro de caranguejo, a maresia da inquietação e o vigor da maré cheia com o revoltado e teatral Piaba comandando o impuro, profano e encardido bloco da Cueca em busca de ondas puras e sonhos inovadores, férteis e libertadores. E tem aquele quê de humildade, ausente em muito figurão na cena artística. “Não sou maior nem menor do que ninguém, mesmo porque o que eu faço não é prova de atletismo, e sim uma briga comigo mesmo pra comunicar o belo da forma que eu vejo”, esclarece Piaba, merecendo citação de Karl Kraus, dramaturgo austríaco: “Os artistas têm o direito de serem modestos e o dever de serem vaidosos”.

O poeta Sérgio Piaba é a cara do comunicador a serviço de uma causa, mas que não abre mão de uma dicção qualificada e, sobretudo, comprometida com as questões sociais e políticas de seu tempo. A vida e obra de Piaba é um manifesto contrário a governos autocráticos que estão sempre a alimentar os conflitos armados e às elites atrasadas, burras, cínicas e insensíveis. Um peixinho ferroando a parte do mundo sujo que nos toca, sem desistir de ser sempre uma piaba ligeira dando pitu nos lambaris do fascismo.

Por Fábio Mozart

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Fábio Mozart

Fábio Mozart transita por várias artes. No jornalismo, fundou em 1970 o “Jornal Alvorada” em Itabaiana, com o slogan: “Aqui vendem-se espaço, não ideias”. Depois de prisões e processos por contestar o status quo vigente no regime de exceção, ainda fundou os jornais “Folha de Sapé”, “O Monitor Maçônico” e “Tribuna do Vale”, este último que circulou em 12 cidades do Vale do Paraíba. Autor teatral, militante do movimento de rádios livres e comunitária, poeta e cronista. Atualmente assina coluna no jornal “A União” e ancora de programa semanal na Rádio Tabajara da Paraíba.

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