TOCA DO LEÃO

O dia em que recusei ser ator da Rede Globo

Toca do Leão

Em 29 de fevereiro de 2016, recebi este bilhete do ator Fernando Teixeira: “Fabio Mozart, estou fazendo a primeira parte da novela o Velho Chico e, para a segunda parte, eles estão precisando de pessoas mais velhas que sejam atores para os papéis de ‘Coronel do interior’, e você é cordelista, locutor e tem bom perfil. Se você estiver interessado, pegue seu celular e peça a alguém para tirar algumas fotos suas sem você posar. E junto com elas me mande online: nome, endereço, telefone, e e-mail. Quanto antes melhor. A grana é muito boa, fora o destaque nacional. Se você topar lhe darei umas aulas breves”.

Respondi ao mestre Teixeira: “Agradeço a deferência do convite, mas não poderei aceitar porque sofro de artrose nos dois joelhos, com sérios problemas de locomoção”. Assim, acabei deixando passar a chance de trabalhar nessa novela que, dizem, teve mais nordestino do que a feira de São Cristóvão, no Rio. Indaguei ao mestre se ele aceitaria minha indicação do veterano ator Marcos Veloso para o papel. Ele respondeu: “Com certeza, Mozart, mas é uma pena, porque você tem um bom tipo para o que eles estão querendo. Em verdade, eles querem fazer uma renovação no cast”.

A Rede Globo é a maior emissora do Brasil, vista todos os dias por 90 milhões de pessoas. A telinha da Globo hipnotiza o brasileiro há mais de 50 anos. Trabalhar na Globo é o sonho de cem por cento dos atores. Não sou ator e nem quero trabalhar na Globo. Por causa da artrose nos joelhos, mas, também, porque a TV brasileira é alienante, reacionista e imbecilizante. Respeitando os artistas que lá trabalham, essa “caixa de fazer doido”, como definiu o genial Stanislaw Ponte Preta, vem empurrando goela abaixo dos brasileiros, por décadas, um conjunto de valores que não coincidem com meu modo de ver o mundo. Não gostaria de fazer parte disso, mesmo que dê dinheiro e fama.

Não sou superior a ninguém, nem acho que estou esnobando. Já tenho o suficiente pra não morrer de fome até o fim da vida e não preciso de notoriedade. A importância social que busco é poder ser reconhecido naquelas quebradas de gente pobre que quer montar uma rádio comunitária e precisa de meu auxílio. Prefiro fazer parte da equipe da Rádio Zumbi dos Palmares e me divertir batendo o ponto no Estúdio 26, que é uma sala na casa do compadre Dalmo Oliveira onde a gente sonha e ri com o ridículo próprio e alheio, produzindo debates absolutamente desnecessários e projetos malucos idem.

Pior para o mundo artístico, se o velho e extraordinário ator Fabinho não atuar na Vênus Platinada. Nem por isso deixarei de me orgulhar dos conterrâneos que trabalharam na novela, artistas do calibre de Zezita Matos e do consagrado Fernando Teixeira. Suas presenças na telinha da Globo significam mais dignidade e satisfação para o nordestino. Mesmo que a própria Globo nos compare àquele personagem idiota do desenho animado americano, o Homer Simpson, incapaz de entender comunicações de média complexidade.

Por falar em comunicação comunitária, mando meu “alô” pra Ricardson Dias e Ricardo Marcelo, da Rádio Comunitária Diversidade do Jardim Veneza em João Pessoa, uns caras que são do meu bloco, um bloco que sai todo dia para animar a vida coletiva dos que acreditam em mudanças, um bloco que está sempre nas ruas, com ou sem carnaval, com ou sem esperança de avançar na busca do poder popular. Marcelo Ricardo e Ricardson Dias são guerrilheiros da comunicação popular, obstinados e bravos insurgentes pelo direito à comunicação. A Rádio Diversidade não recebe licença do Governo para operar, já foi fechada pela PF, seus diretores processados e multados. O pessoal não desiste. Criaram o Centro Comunitário de Mídia no Jardim Veneza e vão à luta com o pessoal do Hip Hop, a associação do bairro, a Casa da Mulher e a rapaziada que curte comunicação comunitária. E seguem com o coração apertado, um microfone nas mãos e muitas lutas na folha corrida, vítimas e vilões de uma sociedade esquizofrênica.

Fábio Mozart

Fábio Mozart transita por várias artes. No jornalismo, fundou em 1970 o “Jornal Alvorada” em Itabaiana, com o slogan: “Aqui vendem-se espaço, não ideias”. Depois de prisões e processos por contestar o status quo vigente no regime de exceção, ainda fundou os jornais “Folha de Sapé”, “O Monitor Maçônico” e “Tribuna do Vale”, este último que circulou em 12 cidades do Vale do Paraíba. Autor teatral, militante do movimento de rádios livres e comunitária, poeta e cronista. Atualmente assina coluna no jornal “A União” e ancora de programa semanal na Rádio Tabajara da Paraíba.

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