“O Demolidor”, a falsa democracia e seus esgotos

O demolidorEm tempos de Donald Trump, não seria difícil imaginar (seria até suave), em um futuro próximo, Arnold Schwarzenegger como presidente dos Estados Unidos, já que este foi governador que comandou o estado mais rico da América do Norte, a Califórnia, durante dois mandatos, o primeiro em 2003. O filme “O demolidor”, de Marco Brambilla (1993), apresenta essa maravilha de curiosidade, dez anos antes da primeira eleição do austríaco (errando só o posto executivo), para frustração do personagem John Spartan (Silvester Stalone). Porém, a constituição americana é bem clara: não se pode ser presidente sem se ter nascido na pátria das liberdades individuais. E isso faz dessa película uma das melhores narrativas de antecipação de estado de coisas que o cinema americano jamais produzira: a supressão das liberdades em nome da segurança e da ordem.

Em linhas gerais, a narrativa apresenta uma intensa questão que assombrou a cidade de Los Angeles no século XX: a violência. Esse problema habitava o imaginário popular e, também, conforme a esperteza dos produtores da indústria do cinema, tornava-se matéria de exageros compreensíveis. Na década de 1990, estávamos em um momento de crises sensíveis e permanentes. Contudo, se tivermos como parâmetro a crise de 2008, aquelas eram “marolas” em meio a “tsunami” de desgraças que nos cobrem até a ponta superior da medula, atualmente.

A personagem Lenina Huxley (Sandra Bullock), nome baseado na personagem Lenina Crowne, da novela “Brave New World”, de Aldous Huxley, é um exemplar da policial que vive em um mundo futuro sem armas letais – estas estão em um museu para lembrança de um tempo de violência desmedida. Os espaços de convivência são cinematograficamente vigiados e sem crimes (graves), a população média é extremamente dedicada e crente nas instituições do estado corporativo.

Nessa ficção científica, as práticas humanas eram estabelecidas a partir de leis e estatutos (a exemplo do “instituto da moralidade verbal”, quase sempre violado por Sparton, um policial “troglodita” e sem meias palavras), e incorporadas no dia-a-dia dos “cidadãos de bem” da megalópole San Angeles (o nome Los Angeles se tornou démodé, quando se fundiu com San Diego) por uma corporação comandada por um “salvador da pátria”. Incrível é que na superfície, da narrativa, e na superfície da cidade, representada pelas ruas limpas, nos rostos corados de quem circundava o território da cidade significam o extremo oposto daquilo que está por baixo, velado, escondido nos esgotos “sórdidos” da cidade (que poderia ser qualquer uma).

Lenina Huxley é convencida por uma estrutura de mundo ordenado, onde não se come nem sal, nem se bebe cerveja, não se fala palavrão. Uma comunidade pura, limpa. Mas, essa ordem de coisas parece estar fadada à ruína. Surge, descongelado da prisão, o personagem Simon Phoenix (Wesley Snipes). Este fora inimigo pessoal do policial Spartan.

Este mundo ordenado, do tão criticado mas falsamente nomeado como “politicamente correto”, determina restrições no fazer e agir dos cidadãos, parece sofrer um abalo: a fuga do criminoso está diretamente ligada à luta entre dois mundos. Os do de cima, e os do de baixo. Isto porque nos esgotos de San Angeles viviam pessoas que não se submetiam à ordem vigente. E Phoenix seria o responsável – personagem de histórico criminoso – em esmagar os insurgentes. Os “desordeiros” comiam sal, bebiam cerveja, queriam “entupir as artérias”, comiam hambúrguer de rato, especiaria aprovada por Spartan que trocou seu relógio com uma… latina de sotaque mexicano. Toda essa luta era provocada por um senso de moralidade perigoso. Determinar ou não as ações simples de cada cidadão parece o papel não de uma “democracia”, porque o filme nos mostra que não havia, mas uma administração comandada à mão de ferro por uma corporação.

A estrutura narrativa e a estrutura social mostradas em “O demolidor”, aciona possibilidades de nossa percepção em relação a um mundo visível, mas ordenado por uma corporação com fins de submeter até a comunicação entre seus habitantes. Por outro lado, a tessitura da narrativa desnuda toda uma situação daqueles que não estão incluídos nessa nova ordem, e que sofrem com os perigos dessa encenação dirigida por grupos sociais privilegiados que jogam com a violência e o medo para que todos estejamos sob seu perverso controle.

 Por Jair de Oliveira

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