O Brasil precisa de um Bispo Tutu!?
Essa pergunta me veio à cabeça (e não saiu mais!) desde que ouvimos a palestra do antropólogo Luís Tomás Domingos, numa roda de diálogos que promovemos em nome do Fórum Paraibano de Promoção da Igualdade Racial (FOPPIR), há alguns dias no Ateliê Multicultural Elioenai Gomes. A ideia que eu tinha era essa mesma: provocar ativistas negros e negras para uma reflexão mais crítica sobre o papel do Movimento Negro paraibano.
O professor Luís Domingos se tornou cidadão brasileiro já há mais de uma década, com filhos e esposa nascidos no Brasil. Moçambicano de nascença, ele possui uma sólida formação filosófica (tendo estudado no Seminário Maior de Santo Agostinho até 1989). Como africano, possui uma leitura de Brasil diferenciada de nós. Os estudos de Antropologia que fez na Université de Paris VIII lhes deram, de soma, ferramentais epistemológicos curiosos para compreender o conceito de “negro”.
A aula de Luís é fantástica. Ele falou pra gente (umas 20 pessoas, sentadas em circulo, numa tarde quente e chuvosa do Varadouro) por uma hora e meia de forma cativante e ininterrupta. Disse, por exemplo, que, em África, antes da escravização globalizada, desencadeada pelos europeus, não existia a ideia de “negro”. Esse termo não fazia sentido! Negro, portanto, é uma invenção daqueles que não eram negros. Dos não-negros, ou seja, do povo branco.
Partindo dessa lógica é que Domingos nos chama a refletir sobre os processos de humanização e desumanização dos afrodescendentes no Brasil. Sua fala chega a ser incômoda, porque nos tira da “zona de conforto” de uma militância meramente antirracista, para nos propor um ativismo humanitário mais amplo, mais abrangente.
Ele fundamenta sua argumentação ainda numa análise que se insere numa psicologia social, onde nos deparamos com os traumas e esteriótipos impostos e causados pelo regime escravista vivido por nossos antepassados em terras brasileiras. E é aqui que o bicho pega! Pois, segundo o pesquisador, as patologias psíquicas causadas pela escravidão afetaram TODOS os brasileiros, e não somente “os negros”.
A cura de Desmond Tutu
A abordagem de Luís Domingos me surpreende justamente por esse componente cognitivo, sensorial e psicanalítico. A coragem pedagógica de abordar esse adoecimento social brasileiro que a escravização dos africanos causou em todos e todas que partilham dessa herança genética, cultural e da ancestralidade afrobrasileira.
Tomás afirma que o Brasil precisaria ter enfrentado uma espécie de “cura coletiva” que o Bispo Demond Tutu desenvolveu na África do Sul pós-Apartheid, em que o religioso provocou oportunidades e momentos coletivos para expressão do perdão. Eram sessões comunitárias em que os agressores colonizadores brancos (Afrikaanders) puderam expressar abertamente o quanto sentiam pelos crimes raciais cometidos por si ou por familiares já falecidos.
Originalmente chamados de bôeres, os Afrikaners são grupos étnicos da África do Sul, descendentes dos colonos calvinistas, principalmente da Holanda, da Alemanha, da França, da Grã-Bretanha e outros países europeus. Evidentemente, todos sabemos o quanto foi conflituosa essa relação, mas é importante notar que, diferentemente do Brasil, a violência contra a população negra sul-africana ocorreu em seu próprio território, por invasores extra-africanos que dominaram o país de Nelson Mandela.
Diáspora
No Brasil o processo é outro: os europeus compraram seres humanos no continente africano e os trouxeram na marra para um longo processo de exploração mercantil/produtiva no continente brasileiro. No nosso caso, a violência é dupla, com o sequestro, o rapto e o aprisionamento escravista em terras distantes.
Aqui não tivemos um Bispo Tutu afrodescendente. Em alguns casos, a Igreja Católica até corroborou com o escravismo degradante dos africanos trazidos ao Brasil, ou foi, minimamente, conivente. A relação dos escravistas com os afrodescendentes brasileiros era de um tratamento com uma “coisa”, um objeto, na melhor das hipóteses, uma ignomínia que definia essa relação como se ocorresse entre homem X animal.
A única religião que promoveu a convivência e co-habitação interracial no Brasil, verdadeiramente, foi o candomblé. Aliás, para Luís Domingos, o que melhor define nossa humanidade africana não é a cor da pele, nem as características físicas “negróides”, mas, sim, a ancestralidade sagrada. A fala dele também me contempla quando diz que o que define nossa humanidade é a energia vital mística que nos anima, vinda do cosmos, emanada de Olodumare. O mesmo que o austríaco Wilhelm Reich chamou um dia de “Orgone”. Mais aí já é outro papo…