Todo início de ano é precedido por uma série de consultas a oráculos disponíveis.
A busca do ser humano continua a mesma por saberes que determinem o tempo de vida, os giros da Roda da Fortuna e as conquistas amorosas possíveis.
A afirmação mais difícil de ser encarada pelo homem pós-moderno urbano continua a ser a assertiva dita pelo Oráculo de Delfos no Santuário de Apolo: “Conhece-te a ti mesmo!”.
Dois filósofos, Heráclito e Sócrates, perpetuaram a frase da pitonisa de Delfos que chegou ao mundo ocidental amparada por ciências como a Psicanálise e a Neurolinguística.
Os filósofos gregos se tornaram os pais da Razão ocidental. Eles nos ensinaram a pensar e a embelezar o pensamento, como os Sofistas, a negar poderes absolutos, os Cínicos, e até discutir formas complexas de sistemas de governo, como Platão em A república.
Mas o Homo Sapiens se tornou mais próximo da técnica que da Techné (união entre o fazer e o sensível) – construiu grandes obras de engenharia, teoremas, mas armas para que o homem pudesse matar outros homens. Toda esta evolução distanciou a alma do corpo, fazendo com que o homem moderno se tornasse unidimensional – capaz de pensar apenas em linha reta.
Com a crise dos paradigmas – modelos absolutos de saberes – o homem moderno passou à pós-modernidade, na qual o passado e o futuro têm o mesmo peso na construção do presente.
Os sistemas peritos (aqueles dominados por especialistas) passaram a oferecer novos oráculos.
O “Conhece-te a ti mesmo!”, tão valorizando por Heráclito e Sócrates, virou sistema de autoajuda ou análise terapeuta diretamente ligados às condições financeiras dos cidadãos.
Mas a tradição de consultar o Oráculo foi reestabelecida através dos algoritmos – que predominam na consulta sobre as performances esportivas, vendas de produtos de beleza, escolhas profissionais e afetivas.
O algoritmo é o oráculo do Homem-midiático, o novo Delfos se chama Google.
Todos confiam no algoritmo para verificar sua sorte, a beleza, e a possível mudança de idade, reconstruir a memória, verificar datas insólitas perdidas no passado fragmentado no presente informacional.
Um dos grandes problemas é que, em nível mundial, a formação escolar (sobretudo dos professores) não é eficaz para enfrentar o culto aos algoritmos, porque a escola perdeu uma das armas caras a Sócrates – o Elenkrós – pode de refutação das ‘ideias doadas’ por múltiplos canais midiáticos.
Do ponto de vista de uma filosofia contemporânea, o Google-Delfos nega uma das máximas socráticas: “Uma vida não examinada não vale a pena ser vivida”. Pois no sistema de algoritmos não existe análise mais agrupamento de dados por ordem aritmética sem questionamento.
Evidentemente, que não vamos criar uma guerra contra o Google-Delfos e seu Oráculo em forma de algoritmo. Mas é necessário não tomar como verdade absoluta aquilo que não podemos refutar, como fazia Sócrates com seu Elenkhós -refutação.
O que poderíamos fazer é valorizar, como fez o filósofo alemão Hegel (27 de agosto de 1770/14 de novembro 1831), valorizar a ideia como uma condição essencial para o fortalecimento do pensamento.
Com Hegel, aprendemos que conhecer é ter uma ideia adequada sobre o mundo, usando a intuição como um modo de ser do pensamento.
Portanto, é preciso estar atento, neste início de ano, às falsas premissas enunciados pelos oráculos em forma de algoritmo no templo do Google-Delfos.
Wellington Pereira