TOCA DO LEÃO

Nosso “Zé” de estimação

Itabaiana é o lugar do Brasil onde respiram mais poetas por metro quadrado. Descubro no ambiente da grande rede outro poeta que saiu daqui para morar em João Pessoa, meu compadre Sarderli Silva, que assina Sander Lee, mal escondendo sua admiração pelo país do Tio Sam, sem, entretanto, deixar de gostar da cultura de raiz do Nordeste brasileiro. Como cultor das nossas mais belas manifestações artísticas, Sanderli, ou Sander Lee, escreve poesia de cordel, sonetos e outros gêneros. No passado cometeu outros desatinos artísticos. Foi ator do Grupo Experimental de Teatro de Itabaiana – GETI, fazendo o papel da Besta-de-sete-léguas na minha peça “A Peleja de Lampião com o Capeta”.

O poeta é filho do líder camponês José Ferreira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itabaiana por muitos anos, conhecido pela sua fama de prático na medicina popular, onde corpos e espíritos são inseparáveis, como atestam nossas rezadeiras, curadores, raizeiros, pajés e mães-de-santo. O pai de Sander Lee era craque em desfazer o sofrimento dos humildes rurícolas que se queixavam de quebranto, micróbios, vermes, encosto, praga rogada e osso rendido, entre outros males do corpo e da alma. Zé Ferreira hoje é uma lenda como detentor da riqueza que são os saberes da medicina popular. Já falecido, Ferreira deixou Sander Lee para cantar as belezas da terra comum.

Eis que o jornalista Fernando Moura, Presidente da Fundação Casa de José Américo, desenvolve o projeto “Como tem Zé na Paraíba”, destacando personagens paraibanos com o nome de Zé, cada um sendo distinguido com cordel de autores também paraibanos. Coube a mim escarafunchar rimas ricas e pobres para falar de quatro “Zé” da minha terra Itabaiana: Zé Quarenta e Um, Zé Especiá, Zé Mocó e Zé da Luz. Um solista de coco de roda e caçador mentiroso, um mestre do boi de carnaval, um cacique do caboclinho e um poeta matuto. Sander Lee ficou de contar a vida de Zé Ferreira, seu pai.

Outro poeta, esse nascido em Pilar, mas foi Itabaiana que lhe deu régua e compasso, o doutor Damião Ramos Cavalcanti e atual Secretário de Cultura da Paraíba foi um dos primeiros a ler meu folheto chamado “Os quatro zé’s da cultura popular de Itabaiana”. E leu duas vezes as trinta e duas estrofes. “Li e reli, amigo poeta Mozart. Bravo!”. Aí eu fiquei refletindo sobre a trajetória do novo Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro, a literatura de cordel, antes dirigida aos rústicos leitores semianalfabetos do interior que já não lhe dão tanta importância. Agora são os doutores a consultar e analisar suas rimas. Acho que o gênero não mudou nem prosperou muito com essa nova base de leitores e as plataformas eletrônicas onde os cordelistas modernos publicam seus trabalhos. Não se vive mais de vender folhetos na feira. Os temas não mudaram muito. Esse gênero popular ainda serve de meio divulgador dos fatos da atualidade. No enfrentamento do Coronavírus, os cordelistas também ficaram baqueados e produzem textos para alertar a população sobre os cuidados para prevenir a doença.

Sobre o folheto de Sander Lee sobre seu pai Zé Ferreira, ainda não vi o trabalho, mas posso avaliar seu contexto histórico e sentimental. Zé Ferreira foi um homem conciliador, benevolente e defensor dos pobres. Ensinou ao filho a arte da afetuosidade e a poesia da oração, dos credos populares e saberes da cura.

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Fábio Mozart

Fábio Mozart transita por várias artes. No jornalismo, fundou em 1970 o “Jornal Alvorada” em Itabaiana, com o slogan: “Aqui vendem-se espaço, não ideias”. Depois de prisões e processos por contestar o status quo vigente no regime de exceção, ainda fundou os jornais “Folha de Sapé”, “O Monitor Maçônico” e “Tribuna do Vale”, este último que circulou em 12 cidades do Vale do Paraíba. Autor teatral, militante do movimento de rádios livres e comunitária, poeta e cronista. Atualmente assina coluna no jornal “A União” e ancora de programa semanal na Rádio Tabajara da Paraíba.

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