CRÔNICAS DO COTIDIANO

Não quero perder meu sotaque

O sotaque é identificado pela maneira como falamos ou expressamos as palavras. O nosso país, em razão das suas dimensões continentais, tem um povo que fala diferente, conforme a região em que vive. Tanto isso é verdade, que encontramos termos e expressões próprias a determinadas comunidades linguísticas. Os sotaques fazem parte da nossa identidade cultural. Apesar de compartilharmos o mesmo idioma, cada região apresenta peculiaridades no jeito de falar.

Os diferentes sotaques no Brasil podem ser explicados sob o ponto de vista histórico. Somos uma nação que foi colonizada por nacionalidades diversas, influenciando na pronúncia das palavras e da prosódia de cada lugar. Os sotaques, então, fazem parte de nosso patrimônio cultural, sem que se possa afirmar que existe algum melhor ou mais correto que outro. Essa variedade étnica da nossa origem, não só contribuiu para definir o linguajar de cada região, como moldou a nossa história.

Quando os portugueses aqui chegaram havia mais de 1.200 idiomas indígenas. Esse choque cultural deu origem aos primeiros sotaques. Outros ganharam força com a vinda dos escravos africanos, cujos dialetos foram se incorporando ao nosso falar. Essa é a razão de se considerar a formação histórico-cultural mais importante para definir a variação dos sotaques do que a própria localização geográfica. Os mais de 500 anos de história, de migrações, de mistura étnico-cultural, fizeram com que hoje falemos um português bem diferente do lusitano. Algumas pronúncias, entretanto, variam de acordo com o nível de escolaridade e classe social. O linguista e filólogo Ataliba Castilho, ensina que “a partir do século XIX os imigrantes europeus e asiáticos temperaram a base portuguesa, surgindo o atual conjunto de sotaques”.

Na verdade as línguas são como formas de vida: evoluem, fazendo com que os sotaques sejam mutantes. E por serem dinâmicas elas possuem nuances de acordo com determinadas regiões. Nosso sotaque é nossa marca, reflete a nossa origem. É preciso ter a compreensão de que sotaque não é pronúncia defeituosa. A fala é a forma primeira de comunicação, razão pela qual os indivíduos vão realizando adaptações e rearranjos linguísticos conforme suas necessidades de interação social.

O sotaque não pode soar como se fosse uma língua estrangeira. Basta que procuremos entender o significado das expressões que desconhecemos e que são utilizadas por brasileiros de outras regiões, sem emissão de preconceitos inaceitáveis. A língua falada é inerentemente variável, tanto na pronúncia, quanto no vocabulário, refletindo diferenças idiossincráticas, conforme as distinções regionais e sociais. Devemos nos livrar do mito de que existe uma língua padrão a ser adotada por todos. Eu não quero perder o meu sotaque, até porque faz parte da minha
identidade.

Rui Leitão

Rui Leitao

Rui Leitão nasceu em Patos e é radicado em João Pessoa. Jornalista, já foi responsável pela superintendência da Rádio Tabajara. Atualmente é Diretor de Rádio e Tv da EPC - Empresa Paraibana de Comunicação.

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