Mudança no pré-sal abre espaço para avanço estrangeiro na exploração

Silhouette oil rigO fim da regra que obriga a Petrobras a ser a operadora única do pré-sal abre caminho para acelerar o ritmo de investimentos no setor, elevar a participação de outras gigantes petroleiras na produção de petróleo e gás no Brasil e aumentar a arrecadação do país com royalties, afirmam analistas de mercado ouvidos pelo. Hoje as empresas privadas respondem por 17,1% do óleo produzido, número que pode chegar a 30% em 10 anos, segundo associação que representa o setor.

A Câmara dos Deputados concluiu na noite de quarta-feira (9) a votação do projeto. O texto já passou pelo Senado e segue agora para sanção do presidente Michel Temer.

A mudança na lei era defendida pela própria Petrobrás, que está endividada e executa um programa de desinvestimento. A estatal pedia autonomia para decidir quando entrar ou não em um leilão. As dificuldades financeiras da Petrobrás limitam sua capacidade de investimento no curto prazo e o avanço da exploração e produção nas camadas do pré-sal, localizadas entre 5 mil e 7 mil metros abaixo do nível do mar.

De toda a produção atual de petróleo e gás no Brasil, 93,4% saem de campos administrados pela Petrobras. Mas essa participação vem caindo progressivamente desde a aprovação da Lei do Petróleo, em 1997, que acabou com o monopólio estatal no setor.

Participação da Petrobras na produção total (Foto: G1)Participação da Petrobras na produção total (Foto: G1)

Levantamento da Tendências Consultoria, a partir de dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), mostra que, considerando a participação que as petroleiras privadas detêm nos blocos explorados pela Petrobras, o peso da estatal na produção de petróleo caiu de 97,7% em 2007 para 82,9% em agosto desde ano, enquanto que a fatia das demais empresas subiu 2,3% para 17,1% em 9 anos.

“Abre-se a possibilidade de ter grupos disputando blocos sem a participação da Petrobras e em condições mais favoráveis, já que a empresa está bastante endividada”, afirma o economista Walter Vitto, analista da Tendências.

Em meio à crise detonada pela Lava Jato e pela queda dos preços internacionais do petróleo, o endividamento líquido da Petrobras passou de um patamar de R$ 100 bilhões no final de 2011 para R$ 332,39 bilhões no final de junho – o maior de uma petroleira no mundo. Para melhorar suas finanças, a estatal cortou investimentos previstos em para os próximos 5 anos e está vendendo ativos.

Participação maior

O Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), que representa as petroleiras no Brasil, estima que em 5 anos as petroleiras privadas responderão por 20% da produção de petróleo. Isso porque elas já são sócias de blocos já leiloados e operados pela Petrobras.

“Quando se fala em investimento, as operadoras privadas já respondem por 30% a 40% do volume total. A tendência é que a produção acompanhe esse movimento e que a relação entre produção da Petrobras e das demais passe a ser daqui a 10 anos no mínimo de 70%/30%”, projeta Antonio Guimarães, secretario de exploração e produção do IBP.

A associação avalia que a mudança na regra do pré-sal tem potencial para destravar os leilões do pré-sal e alavancar investimentos de cerca de US$ 120 bilhões ao longo de 7 a 10 anos.

Tabela elaborada pelo CBIE mostra distribuição da produção de petróleo e gás por operador (Foto: Reprosução)Tabela elaborada pelo CBIE mostra distribuição da produção de petróleo e gás por operador (Foto: Reprodução)

Outro efeito esperado é a elevação mais rápida da arrecadação federal com royalties e impostos, puxada pelo aumento da produção. “Não será tirado nenhum dinheiro do fundo destinado à saúde e educação. Quanto mais empresas estiverem investindo, mais receita vai ter para este fundo, e mais rápido”, afirma Guimarães.

De janeiro a agosto, a receita com royalties foi de R$ 10,4 bilhões, segundo dados da ANP.

Para o Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), o ritmo de investimentos no setor e, consequentemente, o aumento da produção e da arrecadação com impostos e royalties, dependerá também de outras variáveis. Uma delas é a dinâmica dos preços do petróleo, que seguem a patamares bastante baixos. Outras questões que impactam no investimento são a regularidade de leilões de novas áreas e a descoberta de eventuais outras áreas mais interessantes do que o pré-sal em outros países.

Pré-sal é 44% da produção
Os campos do pré-sal localizados nas bacias de Santos e de Campos já respondem por 44% da produção no Brasil. Em setembro, a produção de petróleo do país somou em 2,671 milhões de barris por dia (bpd). Desse montante, 1,175 milhão de bpd foram produzidos em 65 poços do pré-sal, operados pela Petrobras, em parceria com companhias privadas.

Dos 10 poços com maior produção no Brasil, 9 estão localizados nessa área. Além da alta produtividade, os postos também são mais rentáveis que os demais.

Segundo a Petrobras, o custo médio de extração atingiu um valor inferior a US$ 8 por barril no 1º trimestre de 2016, enquanto que na média da indústria do petróleo esse custo oscila em torno dos US$ 15.

Até o momento, a Petrobras explora áreas do pré-sal sob o regime de concessão, obtidas antes da criação do regime de partilha. A Petrobrás opera também o único bloco licitado pelo regime de partilha, o bloco de Libra, na Bacia de Santos, em sociedade com a Shell, Total, CNPC e CNOOC.

Mesmo após a mudança na lei, o pré-sal continuará sendo explorado sob o regime de partilha, no qual  quem vence a licitação é a empresa que oferece a maior parcela de óleo para a União. No regime de concessão (áreas fora do pré-sal), a empresa vencedora paga taxas e royalties referentes a essa extração do petróleo, que pertence à ela.

O próximo leilão de áreas do pré-sal está previsto para ocorrer no 1º semestre de 2017. Estão previstas ainda a 14ª rodada de licitações de blocos exploratórios sob o regime de concessão e a 4ª Rodada de Campos Marginais. A expectativa do setor é que a mudança no marco regulatório aumente o número de empresas interessadas.

Evolução da produção no pré-sal e no pós-sal, segundo ANP (Foto: Divulgação) (Foto: Reprodução/ANP)Evolução da produção no pré-sal e no pós-sal, segundo ANP (Foto: Divulgação) (Foto: Reprodução/ANP)

 

O que muda e o que não muda
O projeto aprovado pela Câmara prevê que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) definirá quais blocos do pré-sal serão leiloados. O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) será o responsável por decidir quem vai explorar as áreas. Então, o órgão oferecerá à Petrobras a preferência para ser a operadora dessas áreas, contratadas sob o regime de partilha de produção.

CRISE DA PETROBRAS
Dívidas e preço do petróleo afetam o caixa.

A Petrobras terá até 30 dias para se manifestar sobre o direito de preferência em cada uma das áreas ofertadas. Essa decisão será levada à Presidência da República, que dará a palavra final sobre o que a Petrobras irá efetivamente explorar. Nas áreas de interesse do governo, a estatal deverá participar com o percentual mínimo de 30% dos investimentos.

Apesar da mudança, o pré-sal continuará sendo explorado sob o regime de partilha. O texto também não altera as regras de distribuição de royalties e de destinação dos recursos do Fundo Social do pré-sal.

Críticas ao projeto
A Federação Única dos Petroleiros (FUP), historicamente ligada ao Partido dos Trabalhadores (PT), condenou a alteração nas regras do pré-sal. Para a FUP, a alteração subtrai da empresa grandes volumes de reservas de petróleo e significa também “o desmonte da política de conteúdo nacional”.

Para Luiz Pinguelli Rosa, professor de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ, a mudança enfraquece a Petrobras e retira a prioridade do Brasil no desenvolvimento de tecnologia para a exploração de águas profundas. “Quando se colocou a obrigação da Petrobras como operadora única foi para preservar tecnologia que foi desenvolvida aqui no Brasil”, afirmou.

Já para Ildo Sauer, professor do Instituto de Eletrotécnica e Engenharia (IEE) da USP, a medida é um retrocesso por reduzir a capacidade do país de controlar o ritmo de produção e assim poder influir na geopolítica dos preços internacionais do petróleo.

“Tira o poder soberano do país de influenciar na formação de preço e de fechar a válvula da produção se for necessário para poder manter o preço mais elevado no mercado internacional”, critica o professor, que defende a opção de contratos de prestação de serviços à Petrobras em vez dos regimes de partilha e concessão.

G1

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