A Medida Provisória 1.045 retira direitos, dificulta o acesso do trabalhador à Justiça do Trabalho e pode ser encarada como uma reedição da então superada proposta da carteira de trabalho verde e amarela.
Essas são algumas conclusões de advogados trabalhistas consultados pela ConJur sobre a iniciativa que renova o programa de redução ou suspensão de salários e jornada de trabalho.
O texto-base da MP foi aprovado nesta quarta-feira (10/8) pela Câmara dos Deputados por 304 votos favoráveis contra 133 contrários.
O relator da proposta, deputado Christino Aureo (PP-RJ), manteve alguns pontos questionados pela oposição como programas de primeiro emprego e requalificação profissional, mudanças na CLT e definição de quem poderá ter o benefício da Justiça gratuita.
Para Gustavo Ramos, advogado especialista em Direito do Trabalho e sócio do escritório Mauro Menezes & Advogados, a Câmara acrescentou diversas emendas à MP que afetam os direitos dos trabalhadores. “O Projeto de Lei de Conversão cria programas que pretendem gerar empregos de baixíssima qualidade, o que resultará na institucionalização de desigualdades inconciliáveis com o projeto constitucional democrático. Sob o eufemismo de ‘contratação com regras mais flexíveis’, essa minirreforma trabalhista implicará o surgimento de trabalhadores de segunda categoria, porquanto com menos direitos”, critica.
O especialista acrescenta que a proposta restringe ainda mais o acesso à Justiça do Trabalho, no comparativo com a legislação aprovada na reforma trabalhista de 2017. “Vivemos em um país cujo descumprimento de normas trabalhistas é alarmante e se impõe embaraços à fiscalização do trabalho, minando sua atuação técnica e imparcial, em estímulo a fraudes e proteção a infratores da lei”, ressalta.
O tom crítico ao texto aprovado é endossado pelo advogado trabalhista Lívio Enescu. “Essa minirreforma trabalhista é a retomada da absurda e inconstitucional carteira verde amarela que já foi derrotada no Poder Legislativo”, argumenta.
Lívio acredita que, se aprovada como está, a proposta faz que o futuro dos jovens trabalhadores seja tão ruim como o presente. “Essa iniciativa não criará emprego e ainda mais, piorará a vida daquele que hoje tem atividade formal e protegida. A violência contra os direitos dos trabalhadores se materializa na criação de uma modalidade de trabalho sem carteira assinada, e direitos trabalhistas, onde o trabalhador receberá só uma bolsa e vale transporte; a malvadeza continua na criação de outra modalidade, sem direito a 13º, férias e FGTS, e incentiva a contratação de maiores de 55 anos, e jovens, com um ‘bônus’ no salário, mas com FGTS menor, trazendo diminuição da arrecadação para esse instituto”, lamenta.
Em tom mais ameno, o advogado Rodrigo Marques, sócio coordenador do escritório Nelson Wilians e especialista em Direito Trabalhista, afirma que é importante lembrar que se o trabalhador constatar “quaisquer irregularidades nos acordos celebrados, o funcionário poderá ajuizar ação em face do seu empregador, como por exemplo, em casos que a estabilidade provisória ao término do acordo não foi respeitada ou até mesmo se apesar de ter celebrado acordo para redução de jornada, o profissional continuou a exercer suas atividades de forma integral”.
Paulo Woo Jin Lee, sócio de Chiarottino e Nicoletti Advogados, explica que, “durante a aprovação do texto base de conversão da MP 1.045/21, que trata do Programa de Redução ou Suspensão dos Salários e da Jornada de Trabalho, foram incluídos temas trabalhistas que não estavam na redação original e que não foram submetidos a discussão prévia, ou seja, não passaram pelo processo de amadurecimento que fortalece a democracia e legitima o processo legislativo”.
O especialista afirma que, se a proposta for aprovada e sancionada, as novas disposições certamente passarão pelo crivo do Poder Judiciário, que discutirá sua constitucionalidade, tendo em vista que diversas mudanças afrontam previsão constitucional, como é o caso do direito a férias e ao 13º salário, e em convenções internacionais firmadas pelo Brasil com a finalidade de combater as fraudes e o trabalho escravo.
Por fim, a advogada Mariana Machado Pedroso, especialista em Direito do Trabalho, sócia do Chenut Oliveira Santiago Advogados, argumenta que, “embora o motivo para tal inclusão utilizado pela base governista seja o de aumentar a empregabilidade e reduzir os desligamentos, o que se vê é uma nova tentativa de afastar garantias constitucionais como, por exemplo, o adicional de horas extras que, de acordo com a Constituição, deverá ser de, no mínimo, 50%”.
Ela acredita que as empresas não devem adotar, de plano, suas regras, sobretudo com tantos apontamentos de inconstitucionalidade que vêm sendo feitos e que certamente serão suscitados em ações judiciais.
!É importante ter em mente que no Direito do Trabalho, as decisões judiciais moldam o entendimento do que será ‘aceitável’ tendo como base as regras constitucionais. Não há como validar uma novidade legislativa que contrarie essas premissas”, finaliza.
Confira as principais mudanças
- cria modalidade de trabalho sem direito a férias, 13º salário e FGTS
- cria modalidade de trabalho, sem carteira assinada (Requip) e sem direitos trabalhistas e previdenciários; trabalhador recebe uma bolsa e vale-transporte
- cria programa de incentivo ao primeiro emprego (Priore) para jovens, e de estímulo à contratação de maiores de 55 anos desempregados há mais de 12 meses; empregado recebe um bônus no salário, mas seu FGTS é menor
- reduz o pagamento de horas extras para algumas categorias profissionais, como bancários, jornalistas e operadores de telemarketing
- aumenta o limite da jornada de trabalho de mineiros
- restringe o acesso à Justiça gratuita, em geral, não apenas na esfera trabalhista
- proíbe juízes de anular pontos de acordos extrajudiciais firmados entre empresas e empregados
- dificulta a fiscalização trabalhista, inclusive para casos de trabalho análogo ao escravo.
Fonte: https://www.conjur.com.br/
Rafa Santos é repórter da revista Consultor Jurídico.